segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Via de mão única



- Este homem atravessou a rua. Atravessou sem olhar se vinha carro.
- Meu Deus! Mas porque ele não olhou pros dois lados?
- Sei lá, na pressa, ele sempre pegava o ônibus no corredor central.
- Triste isto. Era um bom homem. Trabalhava de jardineiro na maioria dos escritórios por aqui. Era muito conhecido nas redondezas. Pegava o 2301 todo dia. Mas hoje, vai se saber porque, resolveu atravessar pro outro lado....
- Já avisaram a família?
- Estamos tentando....

Era este o burburinho naquela rua tão linda dos jardins. Gente se ajuntando, falando ao mesmo tempo, observando de perto o corpo estirado no chão da alameda arborizada, larga, dividida em duas por um passeio central. Fim de tarde, tarde de primavera.

Somente a moça da janela saberia dar respostas a tantas perguntas. Era uma moça linda, alva, delicada, ares do paraíso. Passava os dias pendurada na janela do andar de cima do sobrado. Infiferente ao tempo, misteriosamente disponível, sempre olhando o movimento. Como uma namoradeira, daquelas que enfeitam as janelas dos antigos casarões de Minas. Com a diferença que se mexia, seduzia, sorria, piscava, lançava olhares de promessas.
O alvo escolhido estava do outro lado da alameda. O jardineiro que deu pra passar os dias sonhando acordado com ela. Já não conseguia mais se concentrar apenas em cuidar de seus jardins. A atenção se dividia entre o trabalho e a mais linda flor; de maior frescor, viço e beleza, que queria cuidar. Foram meses a fio assim. Aquela moça não se ausentava nunca da janela. Dia após dia a mesma rotina. A janela abria-se pela manhã e só se fechava quando o ônibus que o levava sumia no fim da rua.

Tantas vezes já havia sinalizado para que ela descesse e o encontrasse no corredor central... Nada. Assim, foi crescendo a vontade de atravessar a rua por inteiro, de não parar no meio. Suspeitava que ela jamais iria descer para encontrá-lo. Súbito, um pensamento apavorante. Pior ainda que o medo de chegar perto e ver o encanto quebrado. E se um dia ela deixasse de abrir a janela? Não, ele precisava fazer algo por eles.
No dia em que a viu pela primeira vez, havia plantado uma roseira. Observou que o primeiro botão se abriu finalmente. Era branco, lindo. Parecia com sua diva, em cor e frescor. Este era o sinal de que havia chegado a hora, há de ter pensado. Era agora ou nunca.

Fim de mais um dia de trabalho. Com a tesoura de poda cortou a flor recém aberta. Coração aos pulos, atravessou a primeira metade. Ao longe avistou o 2301 vindo, como de costume. Um olhar de quem pedia, pela última vez, que ela descesse e fosse encontrá-lo. Nenhum gesto que esboçasse uma reação. Nenhum movimento.
Antes que o onibus estacionasse e lhe fizesse desistir, saiu em desabalada carreira em direção ao portão do sobrado. Se era pra ser assim, que fosse. Olhou apressadamente para o lado errado e correu. Uma freada brusca, o barulho seco de um corpo caindo no asfalto. A mão aberta. A rosa branca caída, tomando a cor da paixão, tingindo-se de vermelho pelo sangue que escorria.

Em seu medo de perder a perfeita imagem de amor idealizado, se oferecendo a ele, alí tão perto, se dispôs a fazer todo caminho sozinho. Durante meses , sempre com o olhar fixo apenas nela, nunca percebeu que a via era de mão única. Morreu desavisadamente, tentando suprir sozinho, pelos dois, todo trajeto. Como é longa, na maior parte das vezes vã, uma travessia assim, solitária..... só ida, sem vinda...
A janela do sobrado fechou-se , agora de vez. A multidão já dispersou-se, sem encontrar respostas. Também, agora elas já não interessam mais.

3 comentários:

  1. Triste Veroca muito bonito.. engraçado como todos tomaram caminhos distintos.

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  2. Uma bela história!Bela imagem!
    A maneira como descreveu o(s)fato(s)lembra uma cena de filme. Uma prosa/poética. (das boas)rs

    ..A rosa branca caída, tomando a cor da paixão, tingindo-se de vermelho pelo sangue que escorria.

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