Assistia todas as novelas, duas, seis, sete, oito e qualquer outra reprise que pudesse passar entre esses horários. Entre sonhos e panelas, desejos e afazeres aquela vida encantada das novelas dividia sua mente entre os devaneios e a realidade, mais devaneios que realidade. Se imaginava a mocinha da novela das seis e num passe de mágica era a própria megera da novela das oito. As megeras tem seu charme, mas isso até o próximo capítulo pois no final queria a mocinha, seus destinos são perfeitos, todo sofrimento em prol ao um destino de contos de fadas.
Por vezes se revoltava diante do sapato gasto e as roupas de todos os dias, nem as empregadas da novela das sete repetiam figurino, sempre tão coloridos e alegres. E tudo acabaria bem no final, com casamento e festa. Assim seria sua vida, por hora imaginava, mas cria piamente, seria um enredo de novela.
Sofreu horas e horas a fio o triste destino do núcleo pobre, vítima de carrascos e injustiças. “Ah um dia o mocinho olharia para ela e só ele saberia o seu real valor. E a levaria para sua grande casa, com carrão e mordomo, e o esperaria com seu lindo vestido longo no topo de uma escadaria enorme.” Ensaiava mentalmente o que diria quando o mocinho se declarasse, diria palavras bonitas, nem sabia o significado de muitas delas, mas eram bonitas.
Um dia, como outro dia qualquer. Acordou cedo com a cara inchada, descabelada, insatisfeita com seu destino tão lento, dia de feira, a patroa queria que fosse cedo, não podia perder o melhor da feira. Arrastou as sandálias pelo asfalto com a cabeça nas nuvens. Entre pepinos e abobrinhas o moço era lindo, a voz que lhe cortejava para uma compra perfeita e lhe piscava um olho galante. O coração lhe saltou à boca. Se deteve analisando as possibilidades. Virou-lhe as costas afinal, o mocinho não estava encerrado num cubo.