sexta-feira, 30 de outubro de 2009

"Reconstrução da personagem"

Aprendemos com Lispector que ser simples na escrita, dá um trabalho!!!
E o genial, J.P.Paes, nos diz em uma de suas maravilhosas aulas: “Na intuição entram as suas observações e experiências de leitor, de alguém que conhece palavras, frases, parágrafos, cenas, cenários etc. Que já leu críticas, resenhas, ensaios...”
E DÁ UM BELO EXEMPLO:
“Guimarães Rosa acentua em Carta de João Guimarães Rosa a João Condé, revelando segredos de Sagarana, na sua aparente, e só aparente, espontaneidade, cheia de técnicas e de conteúdos:”
"Bem, resumindo: ficou resolvido que o livro se passaria no interior de Minas Gerais. E compor-se-ia de 12 novelas. Aqui, caro Conde, findava a fase de premeditação. Bastava agir. Então, passei horas dias, fechado no quarto, cantando cantigas sertanejas, dialogando com vaqueiros de velha lembrança, 'revelando' paisagens da minha terra, e aboiando para um gado imenso. Quando a máquina estava pronta, parti. Lembro-me de que foi num domingo, pela manhã”.
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Há divergências, controvérsias, opiniões (quanto: intuição, técnica, didática, disciplina...), mas precisaríamos de um outro Blog para discutirmos (Criação, Análise do discurso, Semiótica, Lingüística, Linguagem), além do próprio termo “opinião” (doxa), porém não é essa nossa proposta, a brincadeira aqui é outra, (rs) ,ainda que façamos uso desses e muitos outros recursos para nossa criação.

Dicas:
*O grau Zero da Escrita - Roland Barthes.
*Arquitetura da linguagem - Noam Chomsky
*Semiótica Aplicada - Lucia Santaella
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Penso que é possível “explorarmos” ainda mais as “belas personagens” que criaram. Uma Valentina, com sua doçura, romantismo e esperança, do texto “ESCOLHA NO ESCURO” de Veroca; um Carlos, com seu jeito doce, compreensivo, do texto “CERTAS OPORTUNIDADES” de Marinês; os personagens não identificados por nomes, mas nem por isso menos marcantes, fortes/determinados do texto “OS PASSOS” de Kátia.
Portanto, a proposta para esse 2º trabalho está diretamente ligada ao primeiro texto, ou seja, é partindo dele que construirão outra narrativa, mantendo, todavia, a essência, os fatos da história. A mudança se dará essencialmente na reconstrução da personagem.
Aí que entra a Técnica: Trazer para sua história as vozes de outros escritores que dialoguem com a sua voz.

Chega de blá blá blá.

PROPOSTA –DATA DA POSTAGEM - 16/11/2009
1- Escolher um escritor (conto, crônica) após a leitura /releitura/...
2-Mesclar “algumas características marcantes” da personagem do conto escolhido com a personagem que criou em seu texto
sueliaduan

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Certas oportunidades! MARINÊS


Alguém buzina lá fora, ele abre a porta da casa, tranca-a, despede-se do cão e entra no carro.- Oi mãe, tudo bem?- Sim filho e com você?- Tudo, também!-Carlos...- Ouça:-Hoje é seu primeiro dia no trabalho. Sinta-se seguro. Não tenha medo, você é o único “Cego” lá. Todos sabem. Sabem também que você mora sozinho que é totalmente dependente... um homem graduado. Sabem do seu valor e certamente isso se refletirá. É uma grande oportunidade!Deixo-o aqui. A partir do momento que cruzar aquele portão, seja o melhor. Você é sim, deficiente visual, nunca enxergou as cores da vida, a face das pessoas, nem de sua própria mãe. Sinto muito, apenas, por você não poder enxergar a beleza do teu rosto, do teu corpo, do teu ser. És tão lindo Carlos, inteligente.- "Iiii" mãe, chega de blá...blá...-Bom trabalho filho, boa sorte e até mais tarde. Faço questão de buscá-lo, pelo menos hoje deixe-me, a partir de amanhã prometo que não irei ficar de babá.Ao sair do carro, Carlos sentira um frio na barriga e um aperto no peito. Ele nunca havia trabalhado com carteira assinada e horário comercial, mas, sempre viveu como autônomo e da sua arte, arte de tocar, esse era seu maior orgulho. Dava aulas de violão em sua casa, além do talento de musico era também talentoso professor e com sua didática e carisma tirava o sustento e vivia bem. Fez faculdade de música, várias especializações tinha um belo curriculo, um repertório, apesar de ser jovem . Sabia também que aquele discurso todo da mãe era uma forma de encorajá-lo e de fazê-lo se sentir igual. Mas, ele tinha a nítida certeza que era diferente, era um deficiente visual, logo, isso denota “algumas” limitações. Ele não era hipócrita. Mesmo assim, já que estava ali tentou encorajar aquele forte Carlos da imaginação de sua mãe. Porém, só ele, só ele sabia o que tinha passado da fase do pré a Universidade. Ele sofreu bastante “preconceito” e sua mãe nunca, nunca viu as cenas mais humilhantes pelas quais ele tinha passado.Mas...isso é coisa do passado. Agora eles empregam deficientes, todos têm chance na sociedade. Ele não ia passar por aquelas cenas novamente. Adentrou o escritório. Levava certo tempo para adaptar-se aos locais e incorporar a demarcação dos móveis e objetos, porém, ninguém se importou com isso e a porta de vidro estava ali, logo, sem ajuda, sem visão, ele chocou-se com a porta e eis que se fez um riso em coro, muitos risos, ninguém o acudiu.Ao perceber que ninguém vinha buscá-lo, foi encostando-se e tentando chegar a algum lugar. Derrubou um vaso de plantas e fez-se novamente o riso em coro.Decidido! voltou à porta abriu ainda com certa dificuldade e ficou lá fora. O porteiro todo comovido veio em sua direção e perguntou se precisava de algo.- Sim. Preciso de dois favores: Ligue para minha mãe nesse telefone e diga para vir me buscar agora. O porteiro faz a ligação e em poucos minutos volta e pergunta, e o segundo favor?Carlos diz: - Avise, por favor, quando eu for embora ao Sr. Luís Medeiros que me demito desse emprego antes mesmo de começar.A mãe buzina... novamente, ele entra no carro, ela pergunta:- O que foi? Desistiu? Tão rápido? O que aconteceu?Ai mãe, você não disse que hoje fazia questão de me buscar. Eis me aqui!A mãe tenta lhe dar alguns sermões e se incomoda com a certa ironia. Ele coloca o braço para fora e tenta sentir o vento.-Chegamos filho. Posso entrar para conversarmos um pouco?- SimAbriu a porta de sua casa. Foi em direção a geladeira. Pegou uma cerveja e foi até o sofá onde estava o seu violão.Sentou-se e tocou sua sinfonia predileta. Isso era realmente bom de ouvir, não aqueles risos desafinados. Agora sim ele voltava a ouvir e porque não dizer a enxergar o mundo de acordo com suas escolhas.O cão late, o vento bate a janela e Carlos vai à busca de mais uma cerveja. Da cozinha grita:- E ai mamãe...mamãezinha... Vai uma cervejinha?Volta rindo e os dois caem na gargalhada, num riso...Ah! um riso bem gostoso de se ouvir e de se ver.
28 de Outubro de 2009 19:24



Escolha no escuro





Ela não havia nascido cega. Sei, o politicamente correto seria dizer “ deficiente visual”. Mas ela se sabia e se auto descrevia como cega mesmo. Porque a partir do seu ponto de vista, o que havia era a mais pura e absoluta escuridão. Eufemismos são a mais clara demonstração de que é impossível assumir a experiência existencial de outra pessoa. E esta sim, não pode ser minimizada.

Deficiente visual, ela  foi um dia, bem antes. Filha de pais que tinham retinose pigmentar e ainda por cima eram primos, seu destino foi traçado ali mesmo, no leito de sua  concepção. Nasceu com trinta por cento da visão e com um cronômetro acionado, dando-lhe mais uns quinze anos para desfrutar deste acréscimo de misericórdia divina.  Ou não. Seria melhor ter nascido cega, ou ir se tornando aos poucos? Após este tempo tudo se cumpriu e fez-se noite para ela.

Era uma pessoa bastante solitária.  Sem pais, sem irmãos, sem marido, morava sozinha. Seus olhos, embora não enxergassem, eram lindos. Sempre distantes, porque ausentes. Esbelta,  morena jambo, corpo bem desenhado.  Vaidosa, estava sempre impecável. Naquilo que precisava, pedia  emprestados os olhos de alguma amiga para ajuda-la na tarefa de se fazer bela aos olhos dos videntes. Não era rica, mas tinha a vida financeira organizada. Fez curso de massoterapia. Profissional séria e competente, tinha o suficiente  para garantir seu sustento.

Além disto, seus pais haviam lhe deixado como herança um pequeno apartamento, simples e bem localizado. Sabendo que a cegueira seria herdada por toda eventual prole, resolveram ter apenas uma única filha. Ela, por muito tempo se perguntou, não sem alguma revolta,  porque Deus havia escolhido  justo ela como  fruto desta onipotente arrogância de seus pais em procriarem. Viverem um amor improvável e proibido já não teria sido mais do que suficiente? Acabou se convencendo de que foi escolhida porque o universo sabia que ela daria conta de cumprir a sua sina. Seus pais também sabiam. Tanto que a batizaram com um nome que sugeria força e coragem.  Além disto,  brigar com Deus pra que?  Ele está no comando, até para os que não crêem nele. E, ao que parece, tem  prazer em testar, a todo momento, nossas resistências e nossos estômagos.

O prédio onde morava era daqueles antigos, lá pelos lados da Barra Funda. O bairro, depois da migração dos judeus para Higienópolis, era agora totalmente comercial, com alguns poucos imóveis residenciais decadentes. Valentina morava em um deles, bem antigo, de seis andares. O elevador era daqueles cuja cabine se fecha por uma porta sanfonada de metal. Valentina morava no penúltimo andar, vizinha de porta de dois homens, que também moravam sozinhos. Não sabia nada sobre eles. Uma cidade grande como São Paulo é apenas a soma de um monte de solidões. Mas fato é que, ambos estavam completamente encantados e interessados por ela.

Não era razoável pensar que fosse coincidência. Todo dia, quando ela chegava, depois de um dia exaustivo de trabalho, lá estava um deles, ou ambos. A capacidade do elevador era de quatro pessoas. E, de uns tempos para cá, ela nunca subia sozinha. Quando coincidia de os dois vizinhos de porta se  encontrarem, subiam os quatro.  Sim, porque havia um morador do último andar que,  todo dia, impreterivelmente, estava no hall à mesma hora que Valentina chegava. Com o tempo virou rotina: subiam em três; ela,  o  homem do último andar, e um dos seus vizinhos de porta. Estabeleceu-se, naturalmente, ou não, um rodízio entre eles. E o mesmo  era rigorosamente cumprido.

 Território demarcado, armas escolhidas, começou  um duelo pela conquista do coração de Valentina. Ambos pareciam ter uma fome de mais de mil anos, tentando arrebatá-la para si.

O vizinho da esquerda decidiu que iria conquistá-la pelo olfato. Sabia que os cheiros podem ser um convite ao pecado e chamam o sentido da gustação. Ainda mais seria assim  para quem não enxerga, intuiu. Estava sempre cheiroso, marcava sua presença pelo uso de uma deliciosa colônia que aprisionava os cheiros de relva. Parecia passar ventando perto das suas narinas, na esperança de despertar-lhe o apetite. Mas não parava por aí. De início deixava a porta de casa entreaberta e de lá insinuavam os mais exóticos cheiros. Perfumes adamascados e amadeirados. Com o tempo conseguiu fazer com que ela desse uma breve entradinha em seu apartamento para um dedo de prosa. E aí não economiza suas armas aromáticas. Vinham em seu socorro um arsenal de cheiros da cozinha, dos mais variados, dos mais apetitosos, convites à luxúria, bem mais que à gula. E assim, o andar se inundava de cheiros e sedução nos dias ímpares.

Já o vizinho da direita, ia à luta nos dias pares. E apostou em usar armas que a conquistassem pela audição. Sabia o quanto uma voz macia, segura e aveludada pode conseguir de uma mulher. Vivendo no escuro então, não haveria erros. Não é sem razão que ouvimos muitos dizerem que uma mulher é capaz de ir ao gozo guiada pelo que ouve. Deu à vida de Valentina uma trilha sonora, das mais cuidadas e sofisticadas. Um amante e estudioso da boa música, desde sempre,  tocava seu sax com maestria crescente. Também acabou conseguindo dela as mesmas visitas breves. Era então que passou a ler-lhe pequenos trechos de poesia, uma poesia encharcada de conteúdo elegantemente lascivo. E foi assim que, nos dias pares, o andar se enchia dos mais inebriantes e variados sons.

Valentina começou a gostar daquela situação. Nos dias ímpares deleitava seu olfato; nos pares sua audição. Ambos deixavam seus sentidos acesos, cada vez mais à flor da pele. E ela parecia a cada dia, mais viva e bonita como nunca. Mas sabia que não poderia prolongar por muito mais tempo aquela situação. Que teria de fazer uma escolha.

Este acordo tácito entre eles, esta rotina durou meses, até que um dia, ambos se atrasaram. Um tanto desapontada, Valentina preparou-se para subir o elevador sozinha.  Foi então que percebeu a sanfona de metal sendo aberta. Ah sim! Era o homem do último andar, aquele que ninguém notava, silencioso, desinteressado, que havia entrado na história até agora para completar a lotação do elevador.

Subiram. No andar de Valentina o elevador parou dando o costumeiro tranco das máquinas ultrapassadas. Mas, neste dia, o tranco, talvez calculado pelo destino, deixou um degrau entre a porta do elevador e o chão. Um degrau discreto, mas grande o suficiente para que ela tropeçasse. E foi aí que o homem, tentando segura-la antes que pudesse esborrachar no chão, lhe tocou. Um único toque. Sem cor, sem cheiro, sem fala. Seguro e suave o suficiente para se prolongar em uma carícia. Um toque na pele, no vácuo de todos os outros sentidos. Doce toque que a arrepiava e queimava sem arder. Toque capaz de despertar o gosto de um beijo roubado. Com cheiro de cio, inundando o ambiente e anulando qualquer outro cheiro. Toque capaz de se fazer seguir por gemidos, por latidos do coração aos pulos, por frases obscenas sussurradas dentro do ouvido, termos chulos e descompassados, como convém aos bichos.

Perderam-se num beijo, peles fundidas. O espaço entre os dois corpos fundiu-se e, de repente, a luz se fez. Uma luz que preencheu enfim todo o andar. Um luz que tinha cheiro, tinha gosto e que cantarolava, clareando a noite.
Não é pra menos que a pele é o maior órgão do corpo humano. Nela todos os sentidos se encontram e se perdem. E era exatamente nela que estava a porta que abria o caminho para o coração de Valentina.

A escolha estava feita. A cegueira curada. Todos os sentidos despertos, davam agora um  novo sentido à vida de Valentina.

Contaram- me que tudo continua mais ou menos igual naquele velho prédio. Exceto que ela  se mudou para o último andar, de onde saem sons e cheiros que inundam todo o prédio. Os vizinhos do quinto andar, seguem em sua rotina e com sorte, terão novidades pela vizinhança.  É que, na porta do meio agora tem uma placa onde se pode ler: “ Aluga-se” .





Os Passos

Os passos

Por Katia Mota



Toc-toc.
Toc-toc-toc. De um lado para outro.

-Vejamos bem, mulher. Assim o parece, som de saltos, o toc-toc é inconfundível. Jovem, não por que quisesse que fosse, mas pela agilidade do movimento.

- Baaa chega... tenho que trabalhar.

"Certamente, ao se deparar...." toc, toc, toc. O som mais uma vez, não conseguia se concentrar em ditar o texto à máquina, o som misturava-se ao som das palavras ditadas para o computador. Os sons eram o que mais se aproximavam da visão, ainda mais que os cheiros e o toque. Constituía uma cena baseada nos sons. Não conseguia e até o momento não havia colocado nada nele que induzisse a uma imagem de passos.

Levantou-se do micro, sentou-se frente à televisão a pretexto de distrair-se. Zapeando, mas sua cabeça insistia em criar cenas. Desligou e voltou a atenção aos passos.

Estava próxima à porta. Dois passos e silêncio. Da porta mais dois passos estava sob sua cabeça.

“São exatamente dezenove horas e vinte e dois minutos”.

- Então ela chega às dezenove e vinte.

“São exatamente dezenove horas e dez minutos”

Passou a aguardar.

A batida da porta. Pontual. O som era diferente, menos contundente, baixo. Dois passos. O tempo de espera e estava sob sua cabeça.

“São exatamente dezenove horas e doze minutos”

A porta.

Dois passos.

Sob sua cabeça.

Uma variante, música…Aguçou mais e podia identificar a música, e… A voz dela, alta e clara acompanhando ao aparelho.

“Entre por essa porta agora…. você tem meia hora para mudar a minha vida….”

Você tem meia hora… essas palavras martelaram e martelaram… Meia hora. Meia hora seriam o bastante para mudar uma vida, sem dúvidas. Perdido nesse pensamento esqueceu-se dos passos. Quando deu-se conta que os passos haviam mudado de timbre, a musica silenciado, mas a voz ainda à capela passeava pela casa, cruzava sua sala, passou sob sua cabeça e a batida da porta.

Apressado pegou a guia, tateou o caminho a até a porta e correu esperar o elevador descer e traze-la até ele.

Esperou à porta do elevador. Abriu-se e a voz da canção.

- Precisa de ajuda?

- Não obrigado.

O perfume.

Tinha som, cheiro e toque. Cantarolou.

“Você tem meia hora, para mudar a minha vida”

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Escrevinhadores,escreventes ,escritores ou o nome que se queira!

"Que ninguém se engane, só consigo a simplicidade através de muito trabalho".
CLARICE LISPECTOR

Nesse primeiro encontro e, espero que tenhamos muitos...muitos ... muitos outros, a proposta é:

I- Elabore um texto em que o personagem :
a) é deficiente visual
b)-se vê diante de uma díficil escolha.
c)-mora sozinho.

II -Data da postagem - 28/10
É sempre importante traçar os perfis : físico e psicológico do personagem.

E mais uma vez Clarice Lispector nos ensina:
No Rio de Janeiro , captou no ar de relance o sentimento de uma moça nordestina, motivo para a criação de 'A hora da estrela"