terça-feira, 30 de março de 2010

" The answer is blowing in the wind....."

Terra das Alterosas, abril de 2050,


Meu grande amor,

Acabo de abrir a janela e perceber que já estamos, de novo, em pleno outono. É outono também em minha vida e em meu coração. Coração  repleto de saudades; saudades de ti e de mim mesma.

Na nossa velha vitrola pus pra tocar o nosso velho disco de Bob Dylan, já arranhado pelo tempo. A beleza das manhãs de abril já se anuncia. Diante de nossa janela, árvores peladas, o chão repleto de folhas secas e aquela ventania, vinda não sei de onde. Varrendo as ruas, causando reboliços, revirando folhas, levantando bingas de cigarros apagados, um brinco caído da orelha de alguma moça distraída, um papel de bombom sonho de valsa. De novo o vento assobiando velhos e bisados enredos.

O vento me traz de volta você. Seus cheiros, o gosto do seu beijo, seu toque amoroso e quente. Alisa minha pele ainda branca. Alisa tanto, mas tanto meu amor, que a sinto sem nenhuma ruga, nenhum vinco, nenhuma pinta ou marca que denuncie a passagem do tempo. Apenas como a deixava: úmida, pelos arrepiados, exalando desejos. Esta ventania me convida a  revisitar outros tempos. Tempos de cabelos e emoções desalinhadas. Sinto sua presença, mas hoje a sinto como a senti pela primeira vez, lá nos dias do nosso começo.

A ventania começa também dentro de mim. Um vento que sussura baixinho e ininterruptamente a palavra saudade.... saudade..... saudade.

A força da junção de ambos, do vento que entra pela janela ao  que nasce  de dentro de mim, parece invadir,   tomar conta do nosso quarto e abrir nosso antigo baú. Faz deitar em meu colo uma velha caixa de recordações. Levanta, de forma inesperada, a tampa da caixa. Desfaz o amarelado laço de fitas que envolve o maço de cartas de amor trocadas por nós durante anos. Cartas daquelas embaladas em envelope branco, barrado em verde amarelo, selo colado com a língua.

Ninguém mais escreve cartas, meu amor. Nossos netos só mandam emails e coisas ainda mais modernas que não sei entender. Mas não é igual: falta a letra, que é uma espécie de voz, uma fisionomia. Falta o cheiro da tinta, o papel, este pedaço da matéria que a outra pessoa tocou e pôs num envelope. Faltam os pequenos objetos que acompanhavam as cartas - um raminho seco, um recorte de jornal colado, um beijo dado em batom, um borrifo de almiscar displicentemente derramado. Falta o prazer de reconhecer o outro já no envelope. Adivinhar pelo número de páginas o tom da conversa: mais lento, madrugada adentro, ou mais fugidio, só para manter o carteiro empregado naquele dia.

Depois de reler algumas delas, a ventania agora coloca em minha mão a boa e velha caneta. E aqui estou, trêmula,  tentando te escrever estas mal traçadas linhas.Espero que elas o encontrem bem, feliz, sonhando lindos sonhos de amor.

Amor de toda uma vida, a ventania, que tantos segredos nos revela, está passando. Hoje me trouxe um verso de Antonio Porchia.

"Estar en compañía no es estar con alguien, sino estar en alguien".

Devo apressar-me. Afinal, só conto com o vento para levar-lhe esta carta, esteja você onde estiver. Em breve seguirei também. Enquanto isto, ao fundo, Bob Dylan continua cantando para nós: “ the answer is blowing, is blowinnnnnnn in the Wind”

Para sempre sua, Vera

quarta-feira, 24 de março de 2010

Escrevo-lhe para dizer que as coisas aqui estão bem diferentes.
Há dias, Beto não sai mais de casa. Diz sentir falta da sua pessoa.
Não entendemos direito o por que você foi sem se despedir.
Aqui em casa nós sempre, sempre pensávamos que você já fosse um membro da família.
Isso acontece por sermos amigas de infância. Beto apegou-se com você. Ele disse que a casa não tem a mesma energia, nem a mesma alegria.
Espero que você esteja bem. Espero que tenha partido sem se despedir apenas por falta de tempo, ou??
Disse ao Beto: - se bem conheço Marília foi embora sem avisar, pois, não gosta de despedidas...e também por ser bem chorona. Ele riu e confirmou a hipótese de ser isso mesmo.
Amiga...embora tenha dito isso a ele. Não me convenci. Se puder mande-me uma carta, dê-me notícias.
O Paulo tem ligado em casa e quer saber onde estás. Não dei teu antigo endereço, caso queira que dê, diga-me, ou melhor, escreva-me. Não sei também se essa carta encontrar-te-a no velho endereço, espero que sim.
Aaaaa...Passei no Mestrado, nem acredito! Comprei aquele vestido que paquerava na vitrine já fazia uns dois meses. Não sei ao certo, mas, parece que o Diego está de flerte comigo. Menina do céu! O pai do Beto continua atrasando a pensão...pensando bem as coisas por aqui continuam iguais...exceto ressalvas: "Diego, Mestrado e vestido novo". O céu escureceu do nada e uma ventania chegou a bater fortemente as portas. Preciso terminar, pois, vou recolher as roupas do varal, antes que a chuva chegue.
Um abraço forte amiga e que essa mesma ventania passe por ai e avise-lhe o quanto fazes falta por aqui.
Dê-me notícias!

Sua amiga de hoje e sempre...Paula

segunda-feira, 22 de março de 2010

Carta




Oi...

Como tem sido sua vida? Me conta, mesmo que não ache importante.
Mandei arrumar o carro. Ficou bom, você tinha toda razão, estava precisando. Não entendo por que relutei tanto.
Ainda não consegui ler Paixão Segundo G.H. e nem Relatos de um Náufrago, como me sugeriu certa vez. Ainda não me escolheram, mesmo sendo Clarice e Gabo.
Pintei a casa. Laranja. Não como do poema "Impressionista" sempre amanhecendo. Entardecendo. Teria gostado, logo é noite.
Refiz o jardim. Abandonei as orquídea, são melindrosas demais e sou por demais de incompreensiva para com elas. Hoje, cultivo as violetas, a janela da cozinha está florida, elas me dão a chance de acreditar que estou no caminho certo. Se falho, substituo por uma nova, já florida e tenho a impressão de que tudo continua sempre igual.
Ontem encontrei aquele nosso amigo de longa data. Perdemos a intimidade. Senti essa perda, não somos mais crianças. Sabe, chego a conclusão, o tempo realmente passou, assim, feito ventania.
E sigo assim. Como se nada nunca tivesse fim.
Carinho.


PS: As portas continuam sem chaves.

terça-feira, 9 de março de 2010

O leitor ideal

O leitor ideal para o cronista seria aquele a quem bastasse uma frase.
Uma frase? Que digo? Uma palavra!
O cronista escolheria a palavra do dia: "Árvore", por exemplo, ou "Menina”.
Escreveria essa palavra bem no meio da página, com espaço em branco para todos os lados, como um campo aberto aos devaneios do leitor.
Imaginem só uma meninazinha solta no meio da página.
Sem mais nada.
Até sem nome.
Sem cor de vestido nem de olhos.
Sem se saber para onde ia...
Que mundo de sugestões e de poesia para o leitor!
E que cúmulo de arte a crônica! Pois bem sabeis que arte é sugestão...
E se o leitor nada conseguisse tirar dessa obra-prima, poderia o autor alegar, cavilosamente, que a culpa não era do cronista.
Mas nem tudo estaria perdido para esse hipotético leitor fracassado, porque ele teria sempre à sua disposição, na página, um considerável espaço em branco para tomar os seus apontamentos, fazer os seus cálculos ou a sua fezinha...
Em todo caso, eu lhe dou de presente, hoje, a palavra "Ventania". Serve?
Mário Quintana. Porta Giratória-São Paulo, Globo, 1988. p. 83.

PROPOSTA

DATA DA POSTAGEM- 22/3/2010


1- Escreva uma carta de amor a partir da palavra “VENTANIA”, ou seja, de posse do sentimento, da emoção, dos “insghits” que essa palavra desperta em voce.


Ou pode optar pela proposta nº. 2


2- Escreva uma carta a um amigo a partir da palavra “VENTANIA”, ou seja, de posse do sentimento, da emoção e dos “insghits” que essa palavra desperta em você.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Sorte ou azar?

-- Bom dia. Sua passagem por favor. Disse ao 1° da fila.
Essa educação formal o deixou ainda mais revoltado. Potencializava o desterro de mais uma cidade que lhe expurgava como um verme.
Onde quer que ele fosse, a maldita lembrança do seu crime disparava e atingia a memória da cidade precedente, revelando o antecedente pelo qual pagou 13 anos numa penitenciária paulista. Lembrou e começou a chorar e soluçar angustiado. Compreendeu o que ouviu certa vez no corredor do tribunal: fazer justiça não é aplicar pena, é reconciliar as partes.
-- Ai meu Deus! O ônibus capotou. Só sobreviveu um...

quarta-feira, 3 de março de 2010

O Chão

No final do caminho sempre existe o chão.
Da pena à pedra, do pé ao corpo, da cinza ao vento.
Nada desafia a gravidade que nos afronta.
Cabe às nuvens, com o eterno retorno das águas e breviedade subliminar, narrar detalhes desse embate.
Usando hierógrifos de algodão.

" Você sabe com quem está falando?"

Conheci o Tião por acaso, navegando sem destino na blogosfera.Cheguei no dia em que comemorava dois anos de existência. Sabe, tipo melhores momentos? Foi o suficiente para passar a acompanhá-lo diáriamente.
Tião se tornou um dos meus melhores amigos, estava entre os favoritos. Eu seguia de perto sua vida cotidiana. Já lia até seus pensamentos. Torcia por ele, xingava, discordava.
Já havia decidido me declarar sua amiga de infância no domingo de Páscoa. Mas hoje , quando fui visitá-lo, deparei-me com o seguinte aviso: “ Este blog só pode ser acessado por leitores convidados. Digite sua senha”.
Como assim? Barrada no baile? Você sabe com quem está falando? Um soco no monitor!
Pena! Deveria ter me declarado antes. Sei que ele jamais me negaria um convite!