sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Por quais portas se chega ao inferno

Patife estava sozinho agora. Os parceiros da pelada já tinham seguido cada um numa direção. Paçoca e Lorinho iam juntos para o ensaio da banda de todas as terças. Pinho, o piadista, ia pra escola, e Bundinha, pra igreja. Nanão, seu chapa, ainda ficou um pouco, mas depois pegou rumo, cabeça baixa. Tinham tomado uma levada de cinco a zero pruns carinhas da rua de cima. Um bando de filhos da puta, isso sim! Ele também tinha de ir pra escola, se é que ia ter aula. Era bem capaz de faltar algum professor, como sempre, mas ele não ia ficar rolando tempo no pátio, não. Ia era dar um jeito de sair no intervalo e dar uma passada na Vi, Victória, ela retrucava quando a chamavam de Vi, e com ênfase no cê, pra se fazer de importante. Besta, mas gostosinha que ela só. A droga é que no próximo ano já ia fazer dezoito, servir exército, arrumar um trampo, essas coisas de adulto, e ainda estava no primeiro ano. Ainda lembrava do aniversário de dezessete, quando o tio falou que ele já era um homem e tava na hora de começar a pensar na vida. Até ganhou um canivete de presente, escondido da mãe, é claro. Era bem capaz de ficar encerando o banco com a bunda, só pra esperar a diretora dizer que o professor não vem. Mas se tomar bomba de novo, a mãe vai ter um treco. O que é que você está pensando da vida, Marcelo? Vai querer comer capim a vida inteira? Você não toma jeito, peste? E patati e patatá, já estava até ouvindo. Melhor ficar na escola até às dez. A Vi estava linda de shortinho e camiseta. Ela era a única, além de minha mãe, que não me chamava de Patife. Meu nome é Marcelo Pastife, filho e neto de algumas gerações de italianos e mulatas, daí o apelido pouco lisonjeiro, mas eu não ligava que os amigos me chamassem assim. A merda fedia era quando um panaca qualquer, que eu nunca tinha visto na vida, resolvia zoar com meu nome. Ela estava lá, com as amigas, rindo de alguma coisa. Se fosse outro dia, ele se aproximaria com alguma história engraçada, uma piada, e se deixaria ficar, até que as amigas se dispersassem, para depois dar uns amassos na Vi, mas hoje não, hoje o bicho pegou feio e ele nem sabia como ia voltar pra casa.

 Ficou sentado no banco da pracinha até tarde, olhando as meninas sem ver, só pensando naquele desgraçado. O nariz estava sangrando, mas isso era normal, toda vez que ficava nervoso o nariz sangrava uma cachoeira. Sabia se desviar de golpes, nenhum metido ia tirar sangue dele, não. O estômago estava dolorido e a canela, mas era só. Também tinha perdido a mochila e a blusa estava rasgada. Se não fosse tão tarde podia passar no Nanão e pegar uma blusa com ele. A mãe sempre saía de noite, mas para azar dele ela hoje estava em casa. Passou lá, viu tudo aceso, a TV ligada. Não, não dava pra ir pra casa, o jeito era dormir pela rua e de manhã pensar no que ia fazer. Se tivesse que ficar morando na rua, melhor. Tudo por causa daquele filho da puta! Tava quieto, esquentando banco no pátio, quando começou a palhaçada. O camaradinha novo começou a zoar com duas garotas do segundo ano, o Jonathan se esquentou e chamou o carinha pra briga, veio coordenador, servente, tudo pra apartar, o Jojo tava muito machucado, mas o figura queria mais, tava com o diabo no corpo. Então ele se virou pra mim e disse: e aí Patife, vai bancar o tímido? Não tá a fim de pegar o papai aqui? O sangue ferveu, mas o inspetor tava de olho. Eu levantei e disse baixo, só pro cretino ouvir: a gente se vê lá fora. O sinal bateu, eu procurei pelo idiota, mas ele não tava em lugar nenhum. Peguei minhas coisas e fui andando em direção à praçinha. Foi a desgraça! Ia distraído, pensando na boquinha cheirosa da Vi, quando tomei um tranco por trás. E voa soco, voa mochila, pernada, chute na canela, murro no olho, porrada na barriga, patife!, patife!, escuto a zoação, puxo o canivete e enterro na garganta do miserável, e ainda dou uma forçada, de tanto ódio. O dia amanheceu escuro, pesado, talvez pelas nuvens que anunciavam chuva grossa. O burburinho dos desabrigados era grande. Mulheres lavando-se no chafariz, crianças remelentas chorando, provavelmente de fome, homens discutindo pelo resto de pinga de uma garrafa. Quando acordou, todo moído das pancadas e angústia, Patife já não era mais um menino, mas um homem destituído de esperança em face da solidão.

Rosane Ramos

domingo, 26 de agosto de 2012

À queima roupa



Nesse momento olho-a fixamente. Alheia a tudo  ela não se dá conta, não me vê,  não enxerga. É como se uma nuvem de fumaça existisse nessa ousada troca de rápidos olhares. Contraio os lábios num quase sorriso, e sutilmente escondo a imensa necessidade de perguntar-lhe: — Como vai?  De falar-lhe  A lua está tão linda. 

Seu olhar perplexo me confunde. Desisto. Amanhã, talvez. Um outro olhar mais demorado, uma piscadinha, uma cumplicidade ou até, quem sabe, um sorriso mais largo, frouxo, debochado. Por que não? E eu vestida de coragem à queima roupa, pergunte-lhe:
— O porque de tanta distância. E feito criança mostre-lhe uma borboleta. 

E ela cheia de vida: — Linda, é azul. Voou. Mas é só uma possibilidade. Nem um som sai de sua boca. Silêncio absoluto. Com o olhar marejado de lágrimas olhamo-nos fixamente. Nesse momento uma infinita vontade de passar-lhe a mão pelos cabelos. Niná-la. Mas não. Então, abro lentamente a gaveta e guardo, mais uma vez, o espelho.


sábado, 25 de agosto de 2012

A espera




Encontro

Estou te esperando na mini rodoviária. Liguei para dizer que cheguei. A recepcionista disse que você tinha acabado de sair. Pensei: esta vindo. Enquanto isso fui até a lanchonete do lado. Aquela em que dá última vez tirei várias fotos sua em um quadro e depois em um antigo álbum que a atendente no inicio,  mal humorada nos deu. Em uma dessas fotos você é o mesmo homem que vi em uma noite subindo as escadas que levam até a entrada da minha casa. O mesmo jovem a mesma energia. Isso me faz ter certeza que o corpo envelhece e o espirito não.
As horas passam... Enquanto isso peço um café. Meu coração bate mais rápido. Estou ansiosa...
Você entrou e eu disse:
- Pensei que não vinha mais  
Enquanto te abraçava e beijava você pegou a mala e eu te segui até o carro. No hotel fui em direção a janela, fechei-a, corri as cortinas, pendurei minha jaqueta no biombo e depois com as mãos estendidas, para não tropeçar nas cadeiras, o coração palpitante, procurei-o e o encontrei. Foi uma longa viagem, os lábios úmidos e um beijo sem fim.

Foram horas de loucuras até nos invadir uma deliciosa lassidão e então dormi em seus braços... E sonhei
Abri os olhos... O sol se pondo vermelho, magnifico, entrando todo pela janela aberta, olhando-me da beira do horizonte, iluminando com sua luz o leito onde uma mulher o amou com ardor.

Foi um raio de luz. Como esse agora que se vai enquanto espero

Mlailin
 

Equilíbrio

Estava eu em uma sala de espera...esperando!
Para passar o tempo, fiquei a observar as pessoas que iam e vinham, nervosas, calmas, desesperadas...
Comecei então, a meditar sobre como todos somos diferentes, conservadoras demais, abertas demais.
Como pode haver algúem que vive dopado de adrenalina, com seus esportes radicais, e também, os que sofrem de Síndrme do Pânico.
Pessoas essas que pulam quilometros de para-quedas, enquanto outras não passam do solário da porta. E pensei também nos vários motivos para serem como são... na inúmeras razões que nos "fazem" .Temos tantos motivos para sermos o que somos...
Umas fundamentalistas religiosas, outras ateus convictos, madres Tereza e Hitlers por aí!
Como então afirmar o que é loucura e sanidade...quem é o louco? e o são?
E cheguei a conclusão, na minha espera e meditação que o importante é o equilíbrio, afinal, de médico e louco todos temos um pouco.
E, foi assim que pensando na loucura, mantive a sanidade, fui chamado para reconhecer o corpo de um amigo no necrótério... morreu fazendo loucura..ou não, pois amava nadar e se afogou.

Carina.

Qual é o limite entre a loucura e a lucidez?














Policarpo (56) é um cidadão comum bem educado e calmo. Habilidoso encanador e presta pequenos serviços de outras áreas no condomínio, sempre com preços abaixo das empresas prestadoras. Todos gostam de Policarpo, pois ele sempre socorre as pessoas, daqueles chatos problemas domésticos de fim de semana. Atua sempre com bom humor, diz que seu nome é trabalho, por isso mesmo não rejeita chamadas. 

Mora na comunidade próxima com sua pequena família constituída da esposa e um casal de filhos alunos da escola publica. Algumas vezes seu filho (nas constantes greves do ensino publico) o acompanha para já aprender o oficio e não ficar pelas ruas da comunidade, aprendendo o que não presta. Quando isto acontece, as pessoas sempre acariciam o menino com alguma coisa como brinquedo, roupas usadas. Assim é a vida do prestativo, simples e educado senhor. Por isso mesmo alguns o chama de marido de aluguel, mas não gosta dessa brincadeira. 

Outro dia Policarpo sentiu tontura no trabalho, assustada a dona do imóvel, ofereceu para leva-lo ao posto medico, ele disse que não era nada. Mas ela não concordou e logo pegou a chave do carro e a sacola de ferramentas dele e seguiram para o posto medico. Lá ela se assustou com o numero de pessoas doentes aguardando atendimento. Foi à recepção, recebeu a senha 28 e viu que estava na numero 05. Sentiu um vazio e tristeza daquela situação. Constantemente ela olhava para o relógio e para o placar inerte de senhas. As pessoas reclamavam da morosidade e falta de conforto. O celular tocou e ela saiu ligeiramente da sala. Voltou preocupada e falou para Policarpo, que tinha de ir, pois o filho não teria a ultima aula na escolinha. Ele agradeceu, falou que estava bem para aguardar. Ela olhou pela ultima vez o inerte placar na senha 23. Balançou a cabeça em reprovação e pensou em pedir o marido para escrever notas denunciando a situação do posto medico do bairro.

As horas passam e a senha 27 às 12 horas é chamada, alivio para Policarpo, que sentia fome, pois tinha saído cedo sem alimentação costumeira. Após alguns minutos a porta se abriu. O coração de Policarpo dá pulos de alivio, seria o próximo. Pega a sacola e prepara para ser chamado. Neste instante uma voz no sistema de comunicação, avisa que o restante das senhas seria atendido após as 14 horas, pois o medico sairia para almoçar. Todos ficaram de bocas abertas com cara de indignação geral. O sangue subiu à cabeça de Policarpo, que num ímpeto de fúria, abriu a sacola e com um martelo, distribuiu martelada pela sala, quebrando paredes, mesas, bebedouro e placar monitor. O homem virou bicho diziam as pessoas correndo. Médicos e enfermeiras fugiram pelos fundos pedindo socorro aos seguranças, que entraram e imobilizaram Policarpo que gritava exigindo respeito dos médicos, que deveriam cumprir horário de chegada e atender melhor o povo pobre. Algemado ele foi jogado numa viatura e levado para a delegacia próxima.

Mais tarde, a senhora ligou para saber da consulta, mas o celular de Policarpo não atendia como fora de área ou desligado. Tentou mais vezes e sem sucesso, dirigiu-se ao posto. Quando chegou se assustou com a quebradeira, no que foi informada da reação súbita do senhor da senha 28. Sem acreditar, ela ratificou a calma e a educação do Policarpo. Então um segurança lhe informou, que ele estava na delegacia do bairro, para se acalmar. Ela sentiu uma pontada no peito. Triste dirigiu-se para o carro, sentou, respirou e ligou para o marido que é advogado e seguiu apressada para a delegacia.

Toninho.
17/08/2012.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Passer Sous Silence.


O relógio diz às horas que ele teima em repetir a observar, esperando algum lapso no tempo-espaço que pudesse engolir sua ansiedade, suprir essa necessidade de espera. Algo que pudesse aliviar todo esse sentimento angustiante que lhe causa todo esse desconforto, mal-estar representado pelos seus dedos tensos e entrelaçados. Estes mesmo dedos que teimam em lhe coçar a garganta, seca, enquanto espera.
A espera, por alguém. Alguém que ele nem tem certeza de que ira chegar. Mas ali está ele. Em todos os horários, olhando pro relógio da parede esverdeada daquele quarto, sozinho. Observa lentamente cada segundo custoso a percorrer aquele relógio, enquanto oscila entre rompantes de ódio, amor e desespero.
“Ele não vem, ele não se preocupa, ele nem lembra meu nome”. Pensamentos recorrentes, enquanto vê os ponteiros praticamente paralisados daquele mesmo relógio, naquela mesma parede, daquele mesmo quarto e ele, sozinho, encostando sua costa travada naquela parede gelada, e esfregando com força os olhos para esquecer essa espera sem sentido por alguém que nem ao certo poderia afirmar que algum dia irá chegar.
Porque se preocupar a tal ponto? De se fixar nestes ponteiros, por alguém. E por você mesmo, evaporar se numa sala e condensar se no mesmo lugar horas depois, ainda esperando. As respirações ofegantes sufocam-lhe a lucidez que se esvai com os tics sem tac do relógio mudo. Até quando ele vai se manter nessa espera? Ali, parado.
Olhando pra transfiguração desse tempo parado, essa situação desmarcada do compasso do próprio tempo. E mais um segundo se passa, sincronizando os horários. Pensando em mim? Que chegue então. E nunca chega, nunca. Mas a espera não cessa. A pessoa não deu nenhum sinal e ele, feito bobo, está destinado a ficar parado ali. Bem ali, naquele quarto verde, enquanto o relógio ainda funcionar e ele tiver algum motivo bobo para ficar.

domingo, 5 de agosto de 2012

"Qual é o limite entre a loucura e a lucidez?"




PROPOSTA


Crie um conto a partir da seguinte imagem:
"Em uma sala uma pessoa aguarda ser chamada".


Leve em conta, na criação do conto, a loucura e a lucidez.

Observe, como isso acontece no conto de Baudelaire, AQUI 

DATA DA POSTAGEM
21/08/2012