domingo, 25 de setembro de 2011

"De olhares e lençóis"


Não sei se começo pelo de dentro ou de fora, pela gravata ou pelo paletó. O que eu sei, com uma verdade pertubardora, é que aquela imagem ficaria retida na minha mente para o resto dos meus dias. A maneira com ela abria os botões da blusa e a delicadeza com que colocava o broche sobre o criado mudo foi o rito de passagem na minha mocidade.

Olhar seu corpo nu sobre os lençóis, o reflexo do sol sobre o broche, formando em suas pernas desenhos de tons entre o âmbar e verde claro, iluminava minhas tardes naquele finalzinho de Setembro. Eu era o mais feliz dos homens, então. Outros momentos, outros corpos seguiram-se a esse. Mas, em nenhum, cores e pernas entrelaçaram-se com tamanha harmonia.

Curioso por natureza e pesquisador por profissão, não tive sossego enquanto não voltei, trinta anos depois, à bela cidadezinha perdida entre planaltos e planícies. As pedras brancas espalhadas por todo o local e uma das primeiras catalogadas em minhas pesquisas serviam de pretexto para revistar o museu e, quem sabe, descobrir o paradeiro daquela que tanto prazer me deu.

Qual não foi minha surpresa ao adentrar no museu, deparei-me com uma luz entre o âmbar e o verde claro, coração acelerado, andei lentamente em direção aos raios luminosos, e lá estava ele, alojado sobre uma almofada azul, dentro de uma delicada caixa de vidro: — o broche . Perplexo, perguntei à moça do balcão que gentilmente contou-me toda a história. O broche tinha sido encontrado no sótão de uma casa, por volta de 1840, e passado de geração a geração, uma relíquia da Rússia czarista, e, olhando bem nos meus olhos, segredou: — Junto foram encontrados dois cadernos, infelizmente com letras ilegíveis, mas, em um deles, foi possível ler sobre um grande amor vivido. O povo aqui acredita em muitas histórias, o senhor sabe, e desde que o broche veio para cá, há quem diga que todas as moças que tiveram o privilégio de usá-lo viveram momentos inesquecíveis de prazer e amor.
O senhor acredita nisso, senhor...?
 

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Memórias de um sótão.


Imagem Google










Na volta do cemitério, vovô subiu uma última vez ao sótão, só o tempo de tirar uma caixa de sapatos que, ao descer, entregou a mamãe com algumas palavras de explicação. Dentro havia fotografias, cartões-postais, cartas, um broche e dois cadernos. A letra do mais estragado deles, caprichada no começo ia piorando a medida que se viravam as páginas, até ficar no fim quase ilegível, algumas notas arremessadas que se diluíam no branco das últimas folhas virgens

Um apito solto no ar.

Passado alguns anos, numa manhã de Agosto, acordei mais cedo e preparava meu café, quando ouvi um barulho vindo do sótão. Pensando se tratar de algum gato, fiz um chamado tradicional bichim... bichim. , mas como resposta, apenas risos do meu pai, saindo do sótão com uma caixa de sapato escurecida pela fumaça do fogão à lenha da casa. Após lhe pedir a benção como tradição mineira, quis saber, por que ele tinha ido ao sótão naquela hora do dia. Mas ele apenas falou que estava à procura de uns papeis antigos. Tomamos café juntos e cada um foi para sua rotina.

Durante o dia no escritório, lembrava da manhã com meu pai saindo do sótão, e pensava como velho tem manias, que a gente nunca entende. Aquilo ficou martelando na minha mente, pois fazia tempo que ele não subia por lá. Quando voltei do trabalho, minha mãe relatou que o pai passou varias horas no quintal, remexendo na caixa velha de sapato e que ela vez ou outra, ouvia um apito vindo do quintal, mas que não identificava e ele sempre afirmava, não ter ouvido nada e que ela minha mãe, deveria estar ficando maluca.

No dia seguinte uma ligação urgente vinda de minha residência, o que me preocupou, vez que isto não era comum na família. Rapidamente segui para a sala e ao ouvir a voz de minha mãe, senti que algo não estava bem, em meio a um choro ela dizia, que o pai tinha saído de casa após minha saída, que tinha tirado algo da tal caixa e que não tinha voltado para o almoço como de costume. Sai pelas ruas com a cabeça pensando mil asneiras. Veio a lembrança do pai remexendo na caixa e pensei que ele poderia ter cometido um suicídio, de tanto esperar o tal aumento da Previdência, que ele aguardava por mais de 10 anos. Mas, não constava que o pai, tivesse arma em casa, muito menos naquele sótão. Lembrei de passar pela estação, onde ele sempre voltava para ver os trens de ferro e conversar com velhos amigos.

Ao aproximar da estação, ouvi um apito que não cessava como se estivesse na boca de criança em dia de festa. Quanto mais aproximava, mais era audível. Quando cheguei ao muro da estação, avistei pessoas olhando para a via férrea, levei um susto, mas de longe vi meu pai, com um apito brilhante na boca e soprando e acenando com as mãos para os trens que vinham em manobras. Um funcionário logo me disse que meu pai invadira a pista com o apito e não reconhecia ninguém. Corri até ele, o abracei retirando dos trilhos. Ele me olhou deixou cair uma lagrima e afirmou que apenas queria mostrar que estava vivo e podia comandar as manobras dos trens, mas que não estava louco.

No outro dia bem cedo, peguei o trem com ele e minha mãe e fomos para a capital onde ele fez vários exames comprovando sua sanidade mental. Que fora apenas uma crise emocional pela perda do irmão. Ele tirou do bolso o apito amarrado a um broche de Honra ao Mérito ao sair da clinica e falou que aquele apito atado ao broche, o acompanhava deste o dia da morte do irmão numa manobra naquela estação e que fora lhe dado como lembrança, mas o seu pai, meu avô, o havia escondido nesta caixa de sapato, para evitar lembranças emotivas, mas ao rever os objetos naquela manhã um filme passou na sua mente lhe empurrando para aquela estação.

De repente um sorriso abriu em seu rosto era o trem que chegava à estação para nossa viagem de volta.
E hoje para evitar alguma recaída, o apito atado ao broche fica com a mãe.

Toninho
21/09/2011.

Uma leve alteração no objeto da caixa e nos personagens.
Coisa desta minha minerice e os trens que povoam meus olhos e ovuidos.
Eu juro que tentei fazer um texto curto.(perdão Sueli)

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Memórias de um porão.

Era um domingo nublado...vovó nos convidou para darmos os últimos arranjos na casa.
Mulher forte, não queria morar com nenhum dos filhos, apesar de todos a convidarem para suas casas, demorou admitir que após a morte do vovô há um ano, a casa ficou grande e vazia demais para que ela continuasse ali, resolveu então mudar-se para uma casa de repouso, junto com várias de suas amigas tão fortes e teimosas quanto ela, disse que lá ficaria bem, e não deu caso para discussões.
Chamou-me para ajudá-la com o porão, e quando chegamos lá, achei então uma caixa cheia de fotos que eu não conhecia.
Sentamos no sofá velho e ela então com um ar professoral começou a me contar a história da família... vi vovô orgulhoso em seu uniforme de praçinha da segunda Guerra, era claro seu orgulho de servir ao país, olhos jovens brilhantes, ela mostrou mais uma vez o anel comprado durante a guerra e o pedido de casamento, jóia italiana, coisa cara!
Mamãe em vária etapas da vida... menina travessa, com fita no cabelo, adolescente sonhadora, noiva feliz, grávida de meu irmão mais velho, e depois comigo nos braços.
Tios e tias também em várias fases, aquele balanço que tanto nos alegrou e despenteou nossos cabelos, vovô fez com tanto carinho e cuidado para que não arrebentasse.
Fotos do fogão à lenha sendo usado para cozinhar tantas ceias de Natal, tantos almoços de domingo...
Vovó ia me narrando cada etapa da sua vida de casada através daquelas fotos, era como um filme que não se movia, a energia para o movimento dele era a imaginação, então achamos uma dela ainda muito jovem, logo após o casamento, como era linda e era incrível sua memória, os detalhes narrados eram dignos de um livro auto-biográfico.
Histórias que não poderiam ser perdidas, conheci então um mundo novo, antigo mas ao mesmo tempo tão presente, aquele ar empoeirado do porão deu um toque todo especial à narração, para não dizer uma aula!
Mostrou que a vida apesar de dura, com 6 filhos e poucos recursos conseguiram formar uma família forte, de pessoas maravilhosas, e como era bom fazer parte daquilo tudo.
Família é algo que não escolhemos, mas são a nossa história, nossas origens, nos fazem o que somos.
Quando enfim terminou de narrar a última foto, nos abraçamos choramos... era difícil deixar algo tão importante, mas precisava ser feito.
Demos as mãos e não olhamos para trás, aquele domingo foi um recomeço para nós duas.
Pedi para ficar com a guarda das fotos, e com seu consentimento um dia escreverei um livro sobre sus memórias e será entitulado: Memórias de um porão.

domingo, 11 de setembro de 2011

Cruz de Ferro

Cruz de Ferro
“Na volta do cemitério, vovô subiu uma última vez ao sótão, só o tempo de tirar uma caixa de sapatos que, ao descer, entregou a mamãe com algumas palavras de explicação. Dentro havia fotografias, cartões-postais, cartas, um broche e dois cadernos. A letra do mais estragado deles, caprichada no começo ia piorando à medida que se viravam as páginas, até ficar no fim quase ilegível,algumas notas arremessadas que se diluíam no branco das últimas folhas virgens”

Lembro que minha mãe chorou muito ao ler os cadernos e ver os retratos, mas não me permitiu examinar o que havia ali.
E, depois, assustado com a morte de meu pai, e com a discussão que minha mãe teve com meu avô Jörg, pai de meu pai, expulsando-o de casa, nem me lembrei mais da caixa.
Fora que eu me preparava para o meu Bar Mitzvá, no mês que se aproximava.
Agora, após o cerimonial de matzeiva de minha mãe, 38 anos depois, voltei para aquela antiga casa, para encaixotar as velhas coisas.
E encontrei aquela caixa de sapato, que havia anos estava esquecida por mim.
Dentro havia cartões-postais da Bélgica, Polônia, Vichy, Montpellier.
E também cartas dirigidas a pessoas que eu nunca ouvira falar.
Várias fotos de soldados, um deles muito parecido comigo, o mesmo sorriso do meu filho.
Ao ler os cadernos, descobri que eram diários de um soldado alemão.
Contavam sua empolgação ao começar na carreira militar, de como foi seu treinamento, suas primeiras batalhas. Tinha um começo cheio de expectativa e sonhos de um jovem rapaz, de sua bravura, como quando recebeu a 'Cruz de Ferro', mas, no decorrer dos meses, ia mudando os sentimentos, que passaram da dúvida ao mais completo desespero por suas tarefas, que anotava com torturantes detalhes.
E contava também de como foram seus planos para fugir da Alemanha, pois o Fuhrer não tolerava desertores, e se refugiar num país distante, chamado Brasil, onde morava um velho amigo de seu pai, Jörg, o qual o acolheria.
E contava também como, no navio que fugia clandestinamente, conheceu uma linda e jovem judia, chamada Esther, que perdera toda a família em Auschwitz,
E como se encantara por ela.
E como, a partir daquele momento, se decidira judeu.
Ele já conhecia todos os rituais, linguajar e costumes, pois aprendera a reconhecer judeus em seu tempo de soldado.
Com suas condecorações vendidas, menos a Cruz de Ferro, foi pagando sua estadia no novo país, como a moradia, as roupas e a circuncisão e o silêncio de um médico charlatão.
Casaram-se numa linda cerimônia, em que seu novo pai Jörg esteve presente para abençoá-los, e ele abrira um negócio de tecidos.
E depois de um tempo ele voltara a escrever contando que tivera um filho, e, já no final do segundo caderno, fazia esporádicas e rápidas anotações, sobre se era correto ele manter esses cadernos, e se um dia contaria sua historia a alguém.
Ao voltar dessa viagem no tempo, me sentia zonzo, desnorteado. A última coisa que sobrara na caixa era um antigo broche, datado de 1939. Era a Cruz de Ferro.
Eu, um judeu, era filho de um soldado nazista.
Filho da Historia.
Filho da Mentira.
Filho do Amor.
Meu pai nunca havia contado em vida, pois não suportaria o silêncio e o desprezo de minha mãe.
Ela realmente nunca mais falou sobre meu pai.


quarta-feira, 7 de setembro de 2011

"O FASCÍNIO DAS NARRATIVAS"-

“O homem constrói casas porque está vivo, mas escreve livros porque se sabe mortal. Ele vive em grupo porque é gregário, mas lê porque se sabe só. Esta leitura é para ele uma companhia que não ocupa o lugar de qualquer outra, mas nenhuma outra companhia saberia substituir. Ela não oferece qualquer explicação definitiva sobre seu destino, mas tece uma trama cerrada de conivências entre a vida e ele. Infinitas e secretas conivências que falam da paradoxal felicidade de viver,enquanto elas mesmas deixam claro o trágico absurdo da vida. De tal forma que nossas razões para ler são tão estranhas quanto nossas razões para viver. E a ninguém é dado o poder para pedir contas dessa intimidade.”
Daniel Pennac

CONSTRUÇÃO DE UM PROJETO DE TEXTO NARRATIVO

Em um texto no qual discute o processo de composição de seus contos Edgar Allan Poe destaca a importância, de antes de escrevê-los, determinar qual seria o fim pretendido para cada um deles. Poe via a escrita, de certa forma, como a execução de um planejamento previamente estabelecido e não concebia a possibilidade de dar início a um texto sem que soubesse como desejava concluí-lo. Era como se, a cada novo conto que pretendesse escrever, o autor procurasse, primeiramente, construir um projeto de texto.

Podemos, no caso da produção de textos narrativos, estabelecer alguns procedimentos que nos auxiliem a construir um projeto de texto que dê unidade ao trabalho como diferentes elementos narrativos e permita, ao mesmo tempo assegurarmos verossimilhança à história que pretendemos contar.


"Os campos de Honra"
Jean Rouaud.
FRAGMENTO:

O fragmento citado abaixo é parte da história de uma família contada por um narrador que “vasculha a memória”, buscando encontrar um sentido para a existência e decifrar um enigma cuja chave pode simplesmente estar guardada numa caixa escondida no sótão.

Na volta do cemitério, vovô subiu uma última vez ao sótão, só o tempo de tirar uma caixa de sapatos que, ao descer, entregou a mamãe com algumas palavras de explicação. Dentro havia fotografias, cartões-postais, cartas, um broche e dois cadernos. A letra do mais estragado deles, caprichada no começo ia piorando à medida que se viravam as páginas, até ficar no fim quase ilegível, algumas notas arremessadas que se diluíam no branco das últimas folhas virgens

DATA DA POSTAGEM 26/09/2011

PROPOSTA


Imagine-se no papel do escritor e relate um dos episódios significativos da história dessa família. Sua narrativa deverá ser em 1ª pessoa, o episódio narrado deverá estar centrado em pelo menos um dos objetos guardados na caixa de sapatos (fotografias, cartões-postais, carta, um broche, dois cadernos).