terça-feira, 20 de setembro de 2011

Memórias de um porão.

Era um domingo nublado...vovó nos convidou para darmos os últimos arranjos na casa.
Mulher forte, não queria morar com nenhum dos filhos, apesar de todos a convidarem para suas casas, demorou admitir que após a morte do vovô há um ano, a casa ficou grande e vazia demais para que ela continuasse ali, resolveu então mudar-se para uma casa de repouso, junto com várias de suas amigas tão fortes e teimosas quanto ela, disse que lá ficaria bem, e não deu caso para discussões.
Chamou-me para ajudá-la com o porão, e quando chegamos lá, achei então uma caixa cheia de fotos que eu não conhecia.
Sentamos no sofá velho e ela então com um ar professoral começou a me contar a história da família... vi vovô orgulhoso em seu uniforme de praçinha da segunda Guerra, era claro seu orgulho de servir ao país, olhos jovens brilhantes, ela mostrou mais uma vez o anel comprado durante a guerra e o pedido de casamento, jóia italiana, coisa cara!
Mamãe em vária etapas da vida... menina travessa, com fita no cabelo, adolescente sonhadora, noiva feliz, grávida de meu irmão mais velho, e depois comigo nos braços.
Tios e tias também em várias fases, aquele balanço que tanto nos alegrou e despenteou nossos cabelos, vovô fez com tanto carinho e cuidado para que não arrebentasse.
Fotos do fogão à lenha sendo usado para cozinhar tantas ceias de Natal, tantos almoços de domingo...
Vovó ia me narrando cada etapa da sua vida de casada através daquelas fotos, era como um filme que não se movia, a energia para o movimento dele era a imaginação, então achamos uma dela ainda muito jovem, logo após o casamento, como era linda e era incrível sua memória, os detalhes narrados eram dignos de um livro auto-biográfico.
Histórias que não poderiam ser perdidas, conheci então um mundo novo, antigo mas ao mesmo tempo tão presente, aquele ar empoeirado do porão deu um toque todo especial à narração, para não dizer uma aula!
Mostrou que a vida apesar de dura, com 6 filhos e poucos recursos conseguiram formar uma família forte, de pessoas maravilhosas, e como era bom fazer parte daquilo tudo.
Família é algo que não escolhemos, mas são a nossa história, nossas origens, nos fazem o que somos.
Quando enfim terminou de narrar a última foto, nos abraçamos choramos... era difícil deixar algo tão importante, mas precisava ser feito.
Demos as mãos e não olhamos para trás, aquele domingo foi um recomeço para nós duas.
Pedi para ficar com a guarda das fotos, e com seu consentimento um dia escreverei um livro sobre sus memórias e será entitulado: Memórias de um porão.

4 comentários:

  1. Parabens Carina pela narrativa destas memórias vindas de velhas fotografias,que leva a uma viagem encantada pela trajetoria da familia,com todas suas alegrias e dores.É sempre uma emoção rever fotos antigas e assim nos transportar para um tempo às vezes tão distante do nosso.Linda esta vó, que busca seu espaço e privacidade tanto dela como dos filhos.E conheço muitos assim e as vezes lhes dou razão,ainda que aos olhos alheios possa parecer o contrario.
    Um belo exercicio da Carina,gostei.
    Um abraço para voce Carina e a Sueli por compartilhar este belo/culto espaço com suas devidas e inteligentes orientações.
    Valeu Su.

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  2. Parabéns,minha queridíssima,Carina. Lindo,poetico..com escrita delicadíssima. Como diz o poeta: - "de quem pisa leve, fala baixo...", amei!

    Obrigadaaaaaaaaaaaaa, Toninhobira.
    abraços

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  3. Gostei muito de como a história ficou 'curta' e 'longa' ao mesmo tempo porque é um momento delicado e passageiro, mas que guarda o peso de uma vida inteira enquanto simboliza também a continuidade da vida que atravessa nossas gerações. Já começando com 'mulher forte' me perguntei se essa força atravessou muitas das mulheres dessa família... o mais certo é que sim.

    Muito lindo! :) Abração a todos!!!

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  4. Belíssima postagem Carina, um texto que nos prende do inicio ao fim,amei, e sua vó uma pessoa que nos causa admiração, parabéns beijos Luconi

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