quarta-feira, 6 de junho de 2012

Viagem na solidão do elevador.











Zezinho vivia a infância feliz na roça com liberdade de ser criança, apenas vigiado pelos olhos da mãe e os conselhos comuns nos anos pré- televisão nas casas simples. Ali todos se conheciam pelo nome dos pais. Ele era Zezinho de Sô Chico.  Vida cheia de brincadeiras e atividades, como cuidar do galinheiro, molhar a horta, tratar dos animais e deslizar no capinzal em folhas de coqueiro como barcos. Nos fins de semana a rotina às vezes mudava com visitas de parentes da cidade, com suas historias, mas para ele, não eram mais importantes que as suas, mas lhe aguçava a curiosidade.

Uma das coisas que mais o alucinava, eram os elevadores, que levavam as pessoas nas alturas, mais rápido do que subir nas arvores e que eles mesmos comandavam no sobe e desce até ao décimo andar onde moravam. Para Zezinho era quase impensável uma casa sobre a outra, com altura dez vezes maior que o pé de coqueiro. Este sonho ele carregava no seu embornal de curiosidades e sempre questionava a mãe, se era verdade a tal maquina de levar pessoas até as nuvens.

Na época de uma vacinação na década de 60, viajou para a casa dos parentes. O coração não cabia no peito. Depois da longa viagem já na cidade, seus olhos se maravilhavam com tudo, como carros e o bonde. Estranhou muito a pessoas sisudas sem as saudações cordiais da roça. Seu pensamento era o elevador. Ao chegar ao prédio, olhos embutiram entre alegria e medo. Segurava na barra do vestido mãe, o suor nas mãos, o coração agitado. Sua primeira viagem para as nuvens com pessoas ainda mais estranhas mudas que olhavam para o nada. Logo pensou na roça e sentiu saudade da roça cordial.

Após alguns dias de volta à roça, sentia dores no braço vacinado, que coçava como picada de formiga mijona, que sua mãe cuidava colocando uma folha lá do mato. Mas podia sentir o ar fresco pelos pulmões. Saudava os pássaros os imitando, ouviu latido de Capitão brincando com o porco Totó e sentiu o gato Xadrez lhe roçando as pernas. Seus olhos brilharam e uma lagrima rolou de felicidade. Mas a mãe percebeu nos dias seguintes, que ele ficava parado, olhando para o alto do coqueiro, como se visse ou procurasse algum bicho  e  logo foi saber:

- O qui ocê tanto óia no arto do coqueiro Zezinho?
_ Né nadica não mãe, é que eu tava pensano no elevador cá na roça, mas quando nós tava lá no elevador pensava na roça cá. Só isso mãe.

Toninho.
04/06/12

Baseado na frase de Carlos Drummond de Andrade:
No elevador penso na roça, na roça penso no elevador.



5 comentários:

  1. Adorei!!
    Acho tão emocionantes essas histórias, que leio por aqui! Me prendem do inicio ao fim!!

    Tenha um excelente feriado, amigo!
    Beijinhos!♥

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  2. Ô Toninhobira, meu amigo, tão bom "te ler".
    Uma emoção em cada minha.

    E que ótimo você escolher "a outra proposta", adorei!!! Ainda tem mais uma :o)
    beijus

    grata

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  3. Sempre "viajando" imaginação que não nos deixa em paz... espero que o Zezinho continue imaginando mundos bucólicos e calmos para nós...

    Carina.

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  4. Que lindo texto! Eu morria de medo de elevador quando criança, e até a adolescência, temia escadas rolantes...

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