terça-feira, 5 de junho de 2012

Um bonde para a esperança.









Uma chuva caía impiedosa naquela manhã belo-horizontina de Janeiro de 1962. O Rio Arrudas com suas águas que invadiam as ruas do centro. Procurei me abrigar sob a marquise do Prédio da Mesbla, onde cada centímetro era disputado. Preocupava-me a pasta com os papeis da venda de uma casa no bairro Floresta. Naquela manhã um comprador em potencial, vindo do interior, me aguardava no local, conforme telegrama. A venda mudaria minha situação difícil naquela cidade. 

Mas a chuva cada vez mais rigorosa transbordava por todos os lados e ali, já sentia o perigo da inundação. Mais pessoas chegavam, por ser um ponto próximo da parada dos bondes. Cada um reclamava da necessidade de chegar no horário do trabalho, outros menos ocupados, já se dirigiam para suas visitas à famosa casa de prostituição da Zezé naquele bairro. Vidas se misturavam molhadas sob aquela marquise com desejos e sonhos bem diferenciados.

Quando o bonde surgiu, as pessoas como numa Cruzadas se precipitaram nele com guardas chuvas como armas para "pongar" no bonde. Desarmado do meu, senti impotente e vi o bonde sumir com gente pendurada como roupas em varal. As águas mais próximas do abrigo. Num ímpeto de fúria me atirei na chuva com a pasta enfiada sob o paletó e corri pela chuva, mas não consegui ir além da marquise das Casas Pernambucanas. De lá podia ver o antigo abrigo, com as águas inundando e as pessoas fugindo.

Olhei para o relógio e senti um frio na barriga, pois possivelmente o comprador já teria desistido, pois havia outro imóvel em mente. Quando um barulho ouvi e vi aquela marquise da Mesbla, desabar sobre algumas pessoas. Uma correria geral, pessoas pisoteadas, corpos caídos na enxurrada. Naquele instante minha fúria e forças foram nas águas e sai calmamente na chuva em direção a minha casa com um pensamento consolador, de que "perdi o bonde e a esperança e volto pálido para casa", mas com fé renovada de que lá em cima Alguém gosta de mim e me poupou a vida para ainda poder sonhar.


Toninho.
03/06/2012.

Tema: criar uma historia  com a frase  de Drummond: 
Perdi o bonde e a esperança e volto palido para casa.

Obrigado Sueli (responsavel pelo blog) nesta oportunidade neste espaço maravilhoso.

Como mineiro e conterraneo de Drummond não poderia 
ficar de fora sem tentar.
 

7 comentários:

  1. Sem palavras Toninho....lindo demais, a chuva tem realmente esse poder de unir, já passei por isso, me esconder da chuva com as mais diferentes e interessantes figuras.

    Abraços;

    Carina.

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  2. Emocionante história!!
    Me prendeu do início ao fim!!
    Parabéns, Toninho!!
    E, adorei relembrar a Mesbla e a Casas Pernanbucanas...ainda lembro sim!

    Beijos!♥

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  3. Nada é por acaso! Você pode ter perdido a venda, mas ganhou algo ainda mais precioso! Sabe, eu ouvi um relato emocionante de uma pessoa que perdeu o marido, o sobrinho de apenas 5 anos e os sogros nas últimas enchentes aqui em Petrópolis. Enquanto ela falava, eu via as cenas, o desespero nos olhos dela e chorava junto com ela.

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  4. Belíssima abordagem! Seu conto entrou, perfeitamente, na frase de Drummond. Bjs.

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  5. BRAVO MEU AMIGO QUE CONTO LINDO, BELA INSPIRAÇÃO , VC FALOU DA CHUVA , PERDEU A OPORTUNIDADE, FALOU DE DEUS E FICOU DENTRO DO ASSUNTO EXIGIDO. MUITO BOM MESMO. PARABÉNS AMIGO. ABRAÇOS CELINA

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  6. ...'Desarmado do meu, senti impotente e vi o bonde sumir com gente pendurada como roupas em varal.

    Concordo com a nossa querida Carina:- a gente fica "sem palavras". Belíssimo!

    Eu que agradeço meu querido amigo.
    abração

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  7. Que história grandiosa, com toda força e fé em Deus. E é Ele que pode e faz.
    Parabéns Toninho e a Sueli pela bela proposta.
    Xeros

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