sábado, 24 de março de 2012

Sonhar é impreciso


Quando Descartes assumiu sua busca por uma idéia clara e indubitável pôs-se a utilizar a dúvida enquanto método: se determinado pensamento gerasse dúvida, desconsiderá-lo-ia e passaria a examinar outra idéia, a fim de encontrar uma verdade. Passou sob análise as idéias originadas pelos sentidos, pela matemática e colocou em xeque – o que nos cabe por ora – o próprio estado de vigília.

Alguns sonhos têm a capacidade de despertar sensações tão próximas àquelas que sentimos quando estamos acordados que o filósofo percebeu que poderia duvidar do fato de estar, naquele momento, pensando sobre isso ou sonhando que pensava.

Evitando digressões, interessa-nos o resultado desse caminho percorrido por Descartes, que culminaria na célebre frase “penso, logo existo”. Enquanto duvidava dos dados acima citados, percebeu que não poderia recusar o fato de que estava duvidando. Ora, se estava duvidando, pensava. Se pensava, era necessário que existisse. Dessa forma, o filósofo coloca a razão como fundadora da existência do homem, seguindo uma trilha racionalista que teria inúmeras conseqüências na história.

A partir do momento em que Descartes assume essa premissa todas as formas não racionais são postas à margem. Enquanto a ciência e o pensamento lógico ganham vitalidade no pensamento desse filósofo, o sonho adquire uma negatividade em seu seio. Assim como a loucura, o sonho ficaria restrito à esfera de um pensamento inferior. A técnica, no sentido filosófico desta, será o princípio para a filosofia e para a conduta humana.

Na contramão dessa corrente racionalista, o Surrealismo irá pleitear o lugar do sonho na janela da arte. Breton e seus companheiros dirão que ele dá voz ao inconsciente, também renegado pelas posturas técnico-científicas em voga posteriores a Descartes. As pinturas dessa vanguarda artística tentarão, portanto, retomar essa faculdade humana antes esquecida.

Diante desse quadro, fica clara a impossibilidade de separar as dimensões da existência e do sonho. Uma vez que a dinâmica do sonho amplia a significação do vivido, o próprio ato de existir torna-se inseparável da condensação e deslocamento de imagens provenientes do sonho – termos estes utilizados por Freud. Com essa afirmação, queremos assumir a postura de que a própria existência está marcada pela fluidez das imagens, pela dilatação do tempo e pela narrativa própria do onírico.

O que acontece, na presente sociedade pragmática, é o esquecimento intencional dessa dimensão fantástica. Imerso num cotidiano de obrigações e deveres, o homem está impedido de ir além de seu tempo e da realidade imediata, por conta das imposições de ordem econômica e sociais: o sonho passa sempre pela vistas dele como uma distração. Sendo assim, a exclusão do sonho é a recusa de um espaço de liberdade. Restrito a um contexto de produtividade, o sonho nada acrescenta à sua existência.

O que se espera, diante desse texto, é a consideração de que esse processo é ideológico e castrador da vitalidade do humano. O espaço desse blog serve, portanto, para dar voz e volume ao sonho como forma de libertação do homem: a arte como conquista de uma super-realidade que não deixe nenhuma das particularidades do homem escorrer por entre seus dedos.


6 comentários:

  1. Mas eu sonho, preciso*...e acredito que um sonho se torne realidade, porque o Universo tem força e se você deseja algo com muita vontade...
    Você consegue; beijos.

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  2. Bom dia! O que seria da vida sem o sonho?...

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  3. Ô Gustavo que ótimo você aqui, ainda mais, com um belíssima dissertação pautada por esses gênios da filosofia e ,diga-se de passagem,tão seus conhecidos, professor. :o)

    Magnífica defesa dessa dimensão fantástica, o sonho. "...dar voz e volume ao sonho como forma de libertação do homem: a arte como conquista de uma super-realidade" G.Lacava

    beijus/
    saudadessssssssss.

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  4. Belissimo trabalho do Gustavo nesta dissertação fantastica com este olhar magnifico sobre a filosofia de Descartes.Parabens pela riqueza de analises e que sejam os sonhos a força motriz das realizações.
    Que beleza Sueli esta ilustre participação.
    Abraço duplo.

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  5. Sim, uma maravilha essa participação do Gustavo, Toninhobira.
    um forte abraço.
    Em tempo:
    Tive o privilégio de trabalhar com o Gustavo, uma "grande pessoa",além de excelente professor de filosofia, músico... :o)

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  6. Agradeço os elogios ao texto rasgado-sem-muita-revisão. Torço pra que ele tenha cumprido seu papel, ou seja, que tenha despertado um olhar histórico para a questão do sonho e de como o Surrealismo o resgatou das margens do racionalismo.
    Té mais!

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