terça-feira, 12 de abril de 2011

Vidrado


Três pessoas aguardam na sala: duas mulheres e um homem. A sala de espera foi modernizada com poltronas verde-limão e um vidro preso ao teto que simula um aquário, bem, não exatamente um aquário, é um vidro fino que, quando ligado à tomada, explode em tons de neon, verdes, azuis.

À decoradora eu havia sugerido um aquário - com água, peixes e tudo mais - para acalmar os ânimos da espera, mas de certo não fosse em vão que ela cobrasse tão caro, eu mesmo é que não consigo entender direito esse vidro. Agora, através dele tento distinguir quem seriam os meus clientes. Minha atitude esquiva de deixar pender apenas minha cabeça para fora de minha sala é força do hábito da profissão: sou detetive.

O corte de gastos incluiu a secretária, assim pude pagar a decoradora e o vidro. Quem então anuncia a chegada de um novo cliente é uma campanhia acionada por um sensor acoplado à porta, mas quando o quarto cliente adentra, o susto me faz procurar a antiga mesinha que não está mais ali em minha sala e, tentando me apoiar no que agora é vazio, caio. Levanto-me rapidamente e vejo, através do vidro, as duas mulheres e o homem ainda sentados nas poltronas verde-limão, como se nada houvesse acontecido.

O que foi aquilo? A campanhia havia sido estrondosa e ainda ecoava em meu cérebro numa incômoda reverberação. Contorno o vidro, bom dia, vocês viram entrar mais alguém? As duas mulheres apontam para os banheiros, o homem permanece cabisbaixo. Com licença.

O quarto cliente é uma mulher: nem alta nem baixa, nem gorda nem magra, nem branca nem negra, nem bonita nem feia, ou assim deveria ser embora meus sentidos pareçam me enganar porque de tão bonita que me parece, chega a brilhar, ainda mais depois de abrir a boca e me lançar uma voz nem doce nem amarga, aveludada: desculpa, precisava usar o banheiro. Sem problemas, gaguejo.

Pensei que fosse se retirar, mas ela se senta na poltrona marrom-velho que a decoradora achou por bem manter. Põe-se a folhear uma revista. Naquele ângulo, sua pele reflete os tons neon verdes e azuis do vidro eletrônico e os reflexos formam desenhos indecifráveis nas paredes. Intrigante. O senhor está se sentindo bem? Ah, só agora eu posso entender o que significa uma voz aveludada! Não se mexa, por gentileza! Os outros três clientes parecem por demais absortos em suas histórias de traição para enxergarem aqueles reflexos. Peço que voltem mais tarde. Preciso de uma secretária, se interessa pelo emprego, assim não precisaria me pagar pelos meus serviços? Poderia ser apenas no período da manhã? Claro, só gostaria que você se sentasse sempre nessa poltrona.

Desde então, dedico minhas manhãs a decifrar os desenhos que se formam nas paredes da sala de espera. Parece haver um padrão, mas ainda não consegui identificá-lo. Tenho que dizer, entretanto, que nunca vi nada mais bonito e temo não conseguir mais viver sem ela, nem sem aquele vidro. 

12 comentários:

  1. Ficou mini-conto? Mais conciso não consegui! Mas adorei escrever este porque a idéia não me vinha nunca e, quando saiu, fiquei feliz e corri postar!

    ResponderExcluir
  2. Nossa!!! Cassandra. Li de um só fôlego, só depois numa segunda leitura que me ative aos detalhes tão bem elencados, na poética marcante do texto e nessa "história" deliciosa, intrigante e ,claro, "fantástica".


    Mini-conto,sim :o)E naõ sei se optou mesmo por não colocar uma imagem, ou o fato de eu ter comentado em outra postagem que, o foco é sempre a escrita tenha inibido você. Espero que não. rs.

    bjus,Parabéns. grata.

    ResponderExcluir
  3. Que bom que gostou! Eu, na verdade, me esqueci completamente de colocar imagem... acho que é porque no meu blog não uso imagens e postei entre uma correria e outra... mas, da próxima não deixo passar, e acho que vou passar a colocar imagens no meu também! Aquele texto sobre o próximo exercício, com exemplo de Cecília Meireles, ficou muito bem ilustrado... namorei aquela imagem um tempão! Abraços!

    ResponderExcluir
  4. Fuuuu!!!! mas que imaginação mais fértil! Cassandra, vc é uma grande escritora de ficção! Parabéns, gostei!

    Beijo grande.

    ResponderExcluir
  5. De volta Sueli! E ja leio este conto com prazer de admirar a capacidade de criar e recriar situaçoes no mais belo exercicio em que o leitor fica agoniado para ver o fim,muito boa esta arte da Cassandra,bem interessante.PArabens a ela por esta participação bela. Hoje um beijo de luz a voce pela paz e alegria no seu coração.Vou me atualizar por aqui. Um abração.

    ResponderExcluir
  6. Ótimo.É muita correria mesmo.(rs)Fica tranquila e à vontade para colocar, ou não imagens.
    Cassandra, não entendi sobre o "próximo exercício", pois não fiz nova proposta :O)

    bjão

    ResponderExcluir
  7. Ah, ainda sobre o texto, acho que são tantos os vidrados por ai, que a Cassandra pode nos brindar com outras situações fantasticas como esta,rsrs.Um abraço a ela.

    ResponderExcluir
  8. Voltar é muito bom ne Toninhobira. Viu que "danada" a Cassandra,um presentão. adorei!!!

    abraços, meu amigo.

    ResponderExcluir
  9. Obrigada, Elisabete Lira.

    O pessoal aqui é "fera":o)

    Já estou lá "te seguindo",
    grata.

    abraços

    ResponderExcluir
  10. Obrigada a todos que leram!!

    Sueli, eu viajei na maionese :) haha! ... eu acompanho o blog pelos feeds do google reader, e deve ter acontecido algum problema porque eu caí neste link:

    http://escritoslinguagemnocorpo.blogspot.com/2010/04/o-ato-de-descrever.html#comments

    mas só agora vi que é do ano passado! Os comentários me confundiram... achei que era a proposta para esse próximo dia 19 :) De qualquer maneira, me levou a ler o lindo texto da Cecília que não conhecia! Abraços para vocês, gente doce daqui!

    ResponderExcluir
  11. Tudo bem ,Cassandra. Acontece :o) e que ótimo que conheceu esse texto da maravilhosa Cecilía, que adoro. Logo mais postarei uma nova tarefa.

    bjão, querida.

    ResponderExcluir
  12. Adorei especialmente:[...] "é uma mulher: nem alta nem baixa, nem gorda nem magra, nem branca nem negra, nem bonita nem feia, ou assim deveria ser embora meus sentidos pareçam me enganar porque de tão bonita que me parece, chega a brilhar"[...]

    Quantas vezes "não" percebemos alguém desta mesma maneira, a surpresa foi que desta forma, descrita assim, ela foi mais do que percebida.

    Deixou no ar um mundo de reticências.

    Parabéns pelo blog. ADOREI!

    ResponderExcluir