terça-feira, 19 de abril de 2011

"Um leitor apressado"

 
Um leitor apressado dirá que "A cartomante" , AQUI , é a história clássica de um triângulo amoroso, no caso entre Rita, Vilela e Camilo. Não deixa de ser verdade – mas reduzir o conto de Machado a isso é menosprezar o que ele tem de mais importante. Machado explora em seu conto, sim, clássicos aspectos psicológicos: a ansiedade de Camilo, as dúvidas e temores de Vilela (que o escritor levou ao extremo, no romance, em Dom Casmurro, com o triângulo Bentinho, Escobar e Capitu), o amor escorregadio de Rita.

Mais que esses eventos psicológicos, contudo, o que está em jogo em "A cartomante" é a relação do homem com o desconhecido, que se sintetiza na figura da adivinha. A possibilidade (ou sonho) de antevisão do futuro, as superstições a respeito das intenções ocultas que regem as coisas, o poder (ou a impotência) humana para manipular o destino, a presença secreta do mistério nas miudezas da vida cotidiana são temas que, numa corrente paralela, sustentam secretamente o relato.

Deparamos, nesse conto, com a grandeza de Machado: como quem não quer nada, narrando histórias comuns e até banais, com personagens que se deixam envolver pelo previsível e que se doam ingenuamente aos apelos e seduções mais vulgares, ele põe seu leitor frente a frente com algumas das mais difíceis questões da existência humana. É no particular, e é ao encontrar uma maneira inconfundível de tratar esse particular, que Machado de Assis se aproxima das forças secretas que animam nossa vida. Forças que ele esconde no cenário banal do consultório de uma cartomante, um lugar em que se decide, na verdade, não o destino humano, mas nossa impotência diante desse destino.
“É através da aparente simplicidade que o conto, em geral, ilude, arrasta e prende o leitor”. João Castello

João Castello é jornalista e escritor, autor de "Vinicius de Moraes: O poeta da paixão" (Companhia das Letras, 1993), "Inventário das sombras" (Record, 1999) e "A literatura na poltrona" (Record, 2007), entre outros.

DATA DA POSTAGEM 08/05/2011

PROPOSTA
Escreva um conto, curto, que relate uma história enquanto outra, de modo submerso, mas ainda assim visível, se desenrola simultaneamente.

Por exemplo: o conto relata os acontecimentos em um jantar formal enquanto, na cozinha, a história mais importante acontece. Mas tudo o que o leitor tem é o relato do jantar, e a segunda história, a secreta, a ele se revela só através de pequenos sinais, que dele exigem um esforço de decifração.

Um comentário:

  1. Com a grandeza de Machado!!!

    Vamos, então, a nossa :o)

    abraços a todos.

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