quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Certas oportunidades! MARINÊS


Alguém buzina lá fora, ele abre a porta da casa, tranca-a, despede-se do cão e entra no carro.- Oi mãe, tudo bem?- Sim filho e com você?- Tudo, também!-Carlos...- Ouça:-Hoje é seu primeiro dia no trabalho. Sinta-se seguro. Não tenha medo, você é o único “Cego” lá. Todos sabem. Sabem também que você mora sozinho que é totalmente dependente... um homem graduado. Sabem do seu valor e certamente isso se refletirá. É uma grande oportunidade!Deixo-o aqui. A partir do momento que cruzar aquele portão, seja o melhor. Você é sim, deficiente visual, nunca enxergou as cores da vida, a face das pessoas, nem de sua própria mãe. Sinto muito, apenas, por você não poder enxergar a beleza do teu rosto, do teu corpo, do teu ser. És tão lindo Carlos, inteligente.- "Iiii" mãe, chega de blá...blá...-Bom trabalho filho, boa sorte e até mais tarde. Faço questão de buscá-lo, pelo menos hoje deixe-me, a partir de amanhã prometo que não irei ficar de babá.Ao sair do carro, Carlos sentira um frio na barriga e um aperto no peito. Ele nunca havia trabalhado com carteira assinada e horário comercial, mas, sempre viveu como autônomo e da sua arte, arte de tocar, esse era seu maior orgulho. Dava aulas de violão em sua casa, além do talento de musico era também talentoso professor e com sua didática e carisma tirava o sustento e vivia bem. Fez faculdade de música, várias especializações tinha um belo curriculo, um repertório, apesar de ser jovem . Sabia também que aquele discurso todo da mãe era uma forma de encorajá-lo e de fazê-lo se sentir igual. Mas, ele tinha a nítida certeza que era diferente, era um deficiente visual, logo, isso denota “algumas” limitações. Ele não era hipócrita. Mesmo assim, já que estava ali tentou encorajar aquele forte Carlos da imaginação de sua mãe. Porém, só ele, só ele sabia o que tinha passado da fase do pré a Universidade. Ele sofreu bastante “preconceito” e sua mãe nunca, nunca viu as cenas mais humilhantes pelas quais ele tinha passado.Mas...isso é coisa do passado. Agora eles empregam deficientes, todos têm chance na sociedade. Ele não ia passar por aquelas cenas novamente. Adentrou o escritório. Levava certo tempo para adaptar-se aos locais e incorporar a demarcação dos móveis e objetos, porém, ninguém se importou com isso e a porta de vidro estava ali, logo, sem ajuda, sem visão, ele chocou-se com a porta e eis que se fez um riso em coro, muitos risos, ninguém o acudiu.Ao perceber que ninguém vinha buscá-lo, foi encostando-se e tentando chegar a algum lugar. Derrubou um vaso de plantas e fez-se novamente o riso em coro.Decidido! voltou à porta abriu ainda com certa dificuldade e ficou lá fora. O porteiro todo comovido veio em sua direção e perguntou se precisava de algo.- Sim. Preciso de dois favores: Ligue para minha mãe nesse telefone e diga para vir me buscar agora. O porteiro faz a ligação e em poucos minutos volta e pergunta, e o segundo favor?Carlos diz: - Avise, por favor, quando eu for embora ao Sr. Luís Medeiros que me demito desse emprego antes mesmo de começar.A mãe buzina... novamente, ele entra no carro, ela pergunta:- O que foi? Desistiu? Tão rápido? O que aconteceu?Ai mãe, você não disse que hoje fazia questão de me buscar. Eis me aqui!A mãe tenta lhe dar alguns sermões e se incomoda com a certa ironia. Ele coloca o braço para fora e tenta sentir o vento.-Chegamos filho. Posso entrar para conversarmos um pouco?- SimAbriu a porta de sua casa. Foi em direção a geladeira. Pegou uma cerveja e foi até o sofá onde estava o seu violão.Sentou-se e tocou sua sinfonia predileta. Isso era realmente bom de ouvir, não aqueles risos desafinados. Agora sim ele voltava a ouvir e porque não dizer a enxergar o mundo de acordo com suas escolhas.O cão late, o vento bate a janela e Carlos vai à busca de mais uma cerveja. Da cozinha grita:- E ai mamãe...mamãezinha... Vai uma cervejinha?Volta rindo e os dois caem na gargalhada, num riso...Ah! um riso bem gostoso de se ouvir e de se ver.
28 de Outubro de 2009 19:24



5 comentários:

  1. opa! Essa é a Marinês, escrita direta/franca/sem rodeios, nem por isso "menor", pelo contrário, profunda/poética/questionadora; (rápida no gatilho) os personagens à lembrar um Almodóvar (Carne Trêmula), ou um Tarantino (Eles matam nos limpamos), na aceitação do trágico como corriqueiro. A vida como ela é? Rodriguiana (rs)
    Valeu Mulher!

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  2. Marinês postei aqui pra vc, mas não formatei adequadamente os diálogos, os paragráfos etc... aiai tudo numa sequência só. Tudo bem, né, vc entende (rs), hoje pelo jeito amanheço, só faltam umas 15 laudas pra eu terminar kkk, Hum,uma cerveja.!!!!

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  3. Eba, bom dia Marinês, prazer, sou a Veroca. Gostei também, gostei mais ainda que Carlos tinha opção de " enxergar o mundo de acordo com suas escolhas" e, neste sentido, era absolutamente rico com seu violão, sua cervejinha. O mundo, pode ser cada vez mais politicamente correto, mas sei lá, me parece cada vez menos correto, porque mais narcísico. Beijos meus, Veroca

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  4. Sueli........está ótimo do jeito que fez (assim...fica menor....rssssssss) . A desculpe não ter postado certo...vc conhece meu esquema da internet...(avoada...esquecida...desatenta), mas, depois diga-me por favor...como postar direitinho ( os próximos...ok?)

    bju

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  5. Prazer Veroca...o prazer é todo meu!!!

    vamos trocando ..ideias..palavras...palavras..ideias...que bom que gostou!!!

    bj

    ops: deixei um comentario no seu!!!!

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