segunda-feira, 14 de março de 2011

Pratos quentes e frios.





Nada mais honesto e generoso em matéria de comida que um bistrô francês: pequeno restaurante que serve comida caseira, tudo muito simples, da comida ao serviço. O menu em geral sugere o "plat du jour". Sim, porque em bistrôs muitas vezes é o "patron" que escolhe o que você irá comer e beber. Mas será sempre uma oferta honesta, em quantidades surpreendentemente generosas para o padrão europeu. Tudo isto acompanhado de uma baguete e um bom vinho.

O bistrô é uma festa para os sentidos, todos eles. Não chega a ser uma orgia de comida, a que vemos no Brasil em "buffets" e rodízios. Mas também não é aquela coisa indigente e pretensiosa da "nouvelle cuisine".
Saímos satisfeitos e nos fartamos com a comida de um bistrô. Diria que lá pecamos mais por luxúria do que por gula; também entre os pecados tenho os meus prediletos.
Se há um lugar no mundo onde é bom estar só, este lugar é Paris. Nossas reflexões são ambientadas em cenários adequados, mais que isto, perfeitos. Hoje, por exemplo, enquanto eu degustava meu prato – uma salada de escarola com bacon crocante seguido de uma galinha da angola ensopada com batatas – pensava no restaurante de "comida a quilo" onde almoço quase todos os dias. Um lugar bom, limpo, comida gostosa. Mas pensava exatamente na arte de saber escolher, entre tantas ofertas, um prato que seja saboroso e ao mesmo tempo nos convenha comer. É uma arte aprender comer nestes "buffets". Em rodízios então, nem se fala: bota arte nisto!

Ontem fui a um bistrô e devorei aquela galinha honestíssima preparada com cuidado. Lembrei-me de uma frase muito , muito comum de pronunciarmos ou ouvirmos: "a vingança é um prato que se come frio".

 Parece que esta cidade tem o poder de trazer à tona o melhor de mim e lavar todo o resto. Na paz daquele pequeno bistrô, na margem esquerda do Sena, já com uma meia jarra de vinho a me aquecer, eu imaginei uma cena e um diálogo. O cenário, o restaurante onde almoço todo dia. O diálogo entre eu e a Josie, a menina que fica dando suporte ao serviço:
 - Josie, que prato é este?
- Este gelado? É a vingança.
- E é bom?
- Tem boa saída, isto eu garanto. Mas é bem pesado. Prova!
- Ah não Josie, vou preferir aquela galinha ali, com batatas, me parece bem gostosa.

No leque de emoções que nos são oferecidas, sempre podemos optar. Há sempre escolhas mais saborosas, mais leves, mais inteligentes. Repetidas vezes ouvimos que a "vingança é um prato que se come frio"; o que raramente pensamos é que come-lo ou não é opcional.

Hoje paguei doze euros por este almoço, incluindo uma jarra de vinho da casa, um Beaujolais simples, mas ainda assim, francês. O pão e a água incluídos. Também um pedaço de torta de maçã com creme de cortesia – sim, não é verdade que franceses são atavicamente descorteses, especialmente se você não chegar falando com eles em inglês.
Na saída um sorriso agradecido à vida e ao pessoal de lá por este momento delicioso em minhas férias. Quando me despedi da mocinha que abriu a porta para que eu saísse, me descobri possuída por Baco. Juro que eu vi a Josie me perguntando em francês algo como:
 - Ficou satisfeita?
- Muito, uma delícia tudo.
- Comeu da vingança?
- Não, prefiro pratos quentes. Tenho dentes sensíveis.

(Olhei ainda prá trás e juro, Josie me deu uma piscadinha e um sorriso cúmplice.)

Saí errante pela cidade novamente e rindo sozinha. Paris é cidade prá andarilhos errantes, andando "errante ou erradamente"não há como não acertar em algo bonito de se ver.
O cenário de hoje foi Paris, mas podia ser São Paulo, Minas, qualquer lugar... A paz é minha, cuido pra que esta me acompanhe sempre. Viver em paz é viver bem.

Não é que me lembrei agora de uma frase sobre vingança muito melhor que este já tão bisado "clichê".... e não é que esta parece mesmo fazer bem mais sentido?

Minha vingança é viver bem!

6 comentários:

  1. Olá pessoas. Embora não venha aqui tanto quanto gostaria,estou sempre acompanhando vocês. Tema livre e em prosa, me animei a colocar um texto. Não é novo, foi escrito em 20 de dezembro de 2008,quando fui passar dois meses na França,estudando. Então escrevia muito, sobre o que vivia e sentia. Espero gostem, tenho um carinho grande por este texto. Beijo Su pra ti e todos. Sempre ligadinha em vcs.

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  2. Olá Verôca, querida. Eu sei que nos acompanha e fico muito feliz. Lindo,lindo seu texto e só podia ser com final feli,Paris é uma festa.:o)
    Amei cada detalhe,Verõca.(do vivido e do imaginado):
    "Na paz daquele pequeno bistrô, na margem esquerda do Sena, já com uma meia jarra de vinho a me aquecer, eu imaginei uma cena e um diálogo...."
    grata,
    beijo

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  3. Como um falar bem gostoso,um texto gastronomicamente maravilhoso.As lembranças de Minas vem a tona, mquando fala da simplicidade e da delicia,que faz repensar os pecados capitais.Muito bom parabens Vera das Alterosas,eita Minas bãodimaisdaconta!
    Um abraço Sueli,por esta roda de belas pessoas.

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  4. Abraços Toninhobira. Uma maravilha essa roda!
    grata,
    sueliaduan

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  5. Amei.
    "A literatura não se tira do nada/a vida é a fonte" - Marcos Rey

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