segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Jogo de Máscaras




Fantasiar deveria ser seu sobrenome. Era tão adepta aos devaneios que perdia a noção de realidade. Um fato que sempre esteve nublado na memória, assim como tantos outros. Memória seletiva. Um artifício. Mais uma vez selecionou um que recordava como criação, porém, depois de
tantos anos já não conseguia discernir se havia realmente acontecido ou era mais uma fantasia.


O desejo permeava a sua mente, pensamentos masculinos maculados por publicações baratas. Mas aquele momento era diferente. Diferente das páginas de revistas, diferente dos filmes baratos e assistidos escondidos. Era forte e profundo, determinado pelo impulso e um desejo que se mascarava sobre a forma de sentimento. Sentimento esse que não conseguia interpretar, mas que pulsava com a força do sexo.


A sala ampla, chão em tacos de madeira, sozinhos, na casa dele! Crianças, brincando com corpos. Descobrindo os sentidos. A cena ainda hoje a perseguia, deitados lado a lado, quando de repente com uma agilidade espantosa ele cobria seu corpo com o dele, pernas entrelaçadas, o peso do corpo. Engraçado como certos detalhes totalmente irrelevantes determinavam o contexto, como a luminosidade do lugar, as cortinas, o perigo de serem flagrados. Não temia a novidade, ansiava por ela, o que a assustava era a urgência do que estava sentindo. A beira de romper, uma represa. Crescente. Não poderia suportar por muito mais tempo. A falta da frieza racional do controle, isso a assustava.


Era a primeira vez. Havia calculado friamente como abordaria a garota nesse momento, quais seriam suas ações até já havia previsto a reação dela. Mas a vida ensina que tudo sempre é diferente. Os corpos não respeitavam as vontades do cérebro, simplesmente agiam, mãos escorregavam pela pele e o encontro das bocas tinha outro sabor. Momento único de perigo iminente. As máscaras por trás do relacionamento social, da vivência dos amigos, da aparência inocente perante os famíliares estava prestes a cair, rápido e confuso. Era estranho recordar
depois de tanto tempo.


Um namorico adolescente de portão, de banco de praça. O via passar da janela do seu quarto, essas casas antigas, onde as janelas davam direto para rua e essa janela para uma pequena praça,
quase sempre deserta. O ar de menino perdido em contraste com a arrogancia da determinação. Esses traços ainda hoje determinavam certos padrões.


O flash de sua visão passando ao longe pela janela lhe trouxe de volta ao à realidade. A máscara retorna ao seu lugar e ela retorna à inocência, o sentimento misto do proibido e do prazer cede lugar, provavelmente à vergonha e ao compromisso de inocência. Ela corre, foge, não do sentimento, ou do prazer, mas do processo em si, da forma como estava acontecendo. Não era como sonhava, pesadelos de relacionamentos passados ainda a perseguiam. Talvez, se ele tivesse insistido, fosse logo ao ponto, se evitasse as preliminares, talvez tudo fosse diferente. Mas foi o momento em que as máscaras cederam para retornar logo em seguida.

Fugiu... simples assim, fugiu como ainda foge hoje à menor possibilidade de dor. E aquela era uma possibilidade. Talvez tudo tivesse sido diferente. Talvez se ele tivesse insistido, ou talvez se tivesse deixado a janela aberta, talvez tivesse sofrido mais... um monte de talvezes sem fundamento. Doeu da mesma forma quando tudo terminou.


Um final sincero nas ações, mas sem verdade nos sentimentos. Final para garantir as aparências e mascarado sobre falsos pretextos. Um final alucinado de um relacionamento sem o gosto da maça. Amor de adolescente que se perpetua ao longo dos anos, que se estende pela rede em encontros virtuais. O sentimento, agora confuso, está nas pontas dos dedos, na textura fria do mouse e do teclado escondido atrás de novas máscaras, pixels, bytes, telas e redes sociais.


"Por que estou pensando nisso agora?" - levantou os olhos e
sorriu para o garoto que lhe estendia a folha do trabalho em sala. Isaque era o seu nome, assim mesmo com que. "Realmente é muito parecido com ele."
- Sabia que você é muito parecido com alguém que conheci? O garoto volta o olhar para a mulher à sua frente e imagina: -"Oba... Será que tenho chance com essa gata". Pensamento ousado, mas que reflete as semelhanças.


Fim.
Por Renato Fernandes / Catarina

6 comentários:

  1. Ao ler os primeiros parágrafos, é muito clara a escolha dos autores, Renato/Catarina, quanto a escolha da proposta, propositadamente ou não elaboraram (criaram) personagens que além de mascarar seus sentimentos, não os desejos, ainda têm dúvidas quanto aos acontecimentos, questionando sua veracidade, "havia realmente acontecido"
    Dois personagens fortes com determinação, fantasia e consciência de seus atos nessa bela narrativa. O garoto, seu desejo, sua semelhança- nesse final instigante para nós, mas não para alguns geniais pensadores: complexo de Édipo? O eterno retorno? Ou talvez e somente o acaso? Será?
    A-do-re-i!
    obrigada

    Bela a imagem escolhida.

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  2. Oi Su... foi uma experiência no mínimo interessante. Pessoas com formas diferentes de pensar, processos criativos diferentes. Deu até para sentir uma "invejinha" (rs) da agilidade de pensamento do meu parceiro enquanto eu sofria no meu processo...

    Acredito que não houveram dificuldades, a não ser a da distancia e disponibilidade de cada um, o que facilitaria muito um sentar juntos e uma xícara de café rs...

    Agradeço a paciencia e disposição dele... espero que possamos trabalhar juntos novamente.

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  3. Ô Renato,com base na "fala" da Catarina,Ka,para os amigos,aceite meus parabéns por sua agilidade de pensamento, mas não acredito na "invejinha" dela,não.É uma pessoa generosa demais para isso.

    E,fique à vontade para concordar, desconcordar, descer o sarrafo... rs quanto aos meus
    comentários,despretensiosos,feitos com muito carinho.
    bjão

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  4. Escrever a quatro mãos não é uma tarefa fácil, principalmente quando temos a distância como inimiga dos autores.
    Tomamos uma postura interessante com relação à proposta, revcezaríamos os parágrafos, ela escreveria o primeiro, terceiro quinto e assim sucessivamente e eu intercalaria os demais. Um não interfereria no processo do outro e os parágrafos deveriam ser entregues de uma vez só.
    Acredito que seja modéstia sim, pois o texto que me chegou sou desafiador, complexo, fiquei três dias lendo aqueles parágrafos até cchegar À minha intervenção. O desafio maior foi para ela, que teve que iniciar a história eu escrevi já tendo uma base. Parabéns à Katarina, pelo texto maduro que me apresentou. Já disse mais de uma vez que ela deveria se aventurar em um livro.

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  5. Muito interessante a metodologia que usaram na realização da proposta, sem dúvida alguma a tarefa não é nada fácil. E me gusta saber,rs, que o exercício proporcionou esse envolvimento todo... salutar, meu caro,usar o tempo
    pensando "em criação e arte".
    É, a Katarina, você e, pelo que tenho visto dos textos ,aqui, deveriam se aventurar em um livro sim.
    forte abraço

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  6. Delicadezas de Verôca,que faço questão de postar, enviou-me e-mail, está de férias numa praia deserta,Hum!chato,né?kkkk
    Aproveita!!! E volta com muita energia.

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