
- Este homem atravessou a rua. Atravessou sem olhar se vinha carro.
- Meu Deus! Mas porque ele não olhou pros dois lados?
- Sei lá, na pressa, ele sempre pegava o ônibus no corredor central.
- Triste isto. Era um bom homem. Trabalhava de jardineiro na maioria dos escritórios por aqui. Era muito conhecido nas redondezas. Pegava o 2301 todo dia. Mas hoje, vai se saber porque, resolveu atravessar pro outro lado....
- Já avisaram a família?
- Estamos tentando....
- Meu Deus! Mas porque ele não olhou pros dois lados?
- Sei lá, na pressa, ele sempre pegava o ônibus no corredor central.
- Triste isto. Era um bom homem. Trabalhava de jardineiro na maioria dos escritórios por aqui. Era muito conhecido nas redondezas. Pegava o 2301 todo dia. Mas hoje, vai se saber porque, resolveu atravessar pro outro lado....
- Já avisaram a família?
- Estamos tentando....
Era este o burburinho naquela rua tão linda dos jardins. Gente se ajuntando, falando ao mesmo tempo, observando de perto o corpo estirado no chão da alameda arborizada, larga, dividida em duas por um passeio central. Fim de tarde, tarde de primavera.
Somente a moça da janela saberia dar respostas a tantas perguntas. Era uma moça linda, alva, delicada, ares do paraíso. Passava os dias pendurada na janela do andar de cima do sobrado. Infiferente ao tempo, misteriosamente disponível, sempre olhando o movimento. Como uma namoradeira, daquelas que enfeitam as janelas dos antigos casarões de Minas. Com a diferença que se mexia, seduzia, sorria, piscava, lançava olhares de promessas.
O alvo escolhido estava do outro lado da alameda. O jardineiro que deu pra passar os dias sonhando acordado com ela. Já não conseguia mais se concentrar apenas em cuidar de seus jardins. A atenção se dividia entre o trabalho e a mais linda flor; de maior frescor, viço e beleza, que queria cuidar. Foram meses a fio assim. Aquela moça não se ausentava nunca da janela. Dia após dia a mesma rotina. A janela abria-se pela manhã e só se fechava quando o ônibus que o levava sumia no fim da rua.
Tantas vezes já havia sinalizado para que ela descesse e o encontrasse no corredor central... Nada. Assim, foi crescendo a vontade de atravessar a rua por inteiro, de não parar no meio. Suspeitava que ela jamais iria descer para encontrá-lo. Súbito, um pensamento apavorante. Pior ainda que o medo de chegar perto e ver o encanto quebrado. E se um dia ela deixasse de abrir a janela? Não, ele precisava fazer algo por eles.
No dia em que a viu pela primeira vez, havia plantado uma roseira. Observou que o primeiro botão se abriu finalmente. Era branco, lindo. Parecia com sua diva, em cor e frescor. Este era o sinal de que havia chegado a hora, há de ter pensado. Era agora ou nunca.
Fim de mais um dia de trabalho. Com a tesoura de poda cortou a flor recém aberta. Coração aos pulos, atravessou a primeira metade. Ao longe avistou o 2301 vindo, como de costume. Um olhar de quem pedia, pela última vez, que ela descesse e fosse encontrá-lo. Nenhum gesto que esboçasse uma reação. Nenhum movimento.
Antes que o onibus estacionasse e lhe fizesse desistir, saiu em desabalada carreira em direção ao portão do sobrado. Se era pra ser assim, que fosse. Olhou apressadamente para o lado errado e correu. Uma freada brusca, o barulho seco de um corpo caindo no asfalto. A mão aberta. A rosa branca caída, tomando a cor da paixão, tingindo-se de vermelho pelo sangue que escorria.
Em seu medo de perder a perfeita imagem de amor idealizado, se oferecendo a ele, alí tão perto, se dispôs a fazer todo caminho sozinho. Durante meses , sempre com o olhar fixo apenas nela, nunca percebeu que a via era de mão única. Morreu desavisadamente, tentando suprir sozinho, pelos dois, todo trajeto. Como é longa, na maior parte das vezes vã, uma travessia assim, solitária..... só ida, sem vinda...
A janela do sobrado fechou-se , agora de vez. A multidão já dispersou-se, sem encontrar respostas. Também, agora elas já não interessam mais.
Triste Veroca muito bonito.. engraçado como todos tomaram caminhos distintos.
ResponderExcluirUma bela história!Bela imagem!
ResponderExcluirA maneira como descreveu o(s)fato(s)lembra uma cena de filme. Uma prosa/poética. (das boas)rs
..A rosa branca caída, tomando a cor da paixão, tingindo-se de vermelho pelo sangue que escorria.
Veroca..que belo! Parabéns...
ResponderExcluir