sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

As Tais Recomendações!


Passado: algo latente que cutuca o presente e perpetua o futuro. Outrora o psicólogo disse que há de se despir desse passado e para isso basta passá-lo a limpo e que isso é bem simples, tais recomendações foram:
Distrair-se! Fazer o que ama! Preencher o Tempo Vazio! Aproveitar a Vida! Rir Mais! Não levar tudo tão a sério! Reescrever a própria história a cada dia! Mas, se por ventura, nada disso resolver é bom ter mesmo sempre à mão uma caixinha daqueles de Tarja Preta.
Preta mesmo: a lembrança da roupa utilizada no velório. Preta Mesmo: Luto!
Lutar para esquecer esse episódio também entra naquelas tais recomendações. Para esse fato não há remédio não, nem receita pronta, nem ocupação de corpo, alma, tempo, mente.
Mente quem diz que passado não interfere no presente. Mente quem diz que lembranças são apagadas com o tempo. Mentem ainda mais os que acham que as apagam . Lembranças do passado, de ontem como queiram estão inerentes ao dia de hoje. Hoje: Presente!
Encontrar poesia nas lembranças de ontem é começar a rascunhar a história de hoje. Tudo é uma questão filosófica. É preciso galgar o meio da estrada! O meio é o que determina o presente, o agora, o já. Porém, naturalmente existira possibilidades de se olhar para trás. Lá terá sim: "O Triste Fim de Policarpo Quaresma", existirá também: "Cem Anos de Solidão". Mas, ao olhar desse meio tem se a vantagem de enxugar as lágrimas e recontar tudo construindo sim uma nova versão. Versão essa que faz encontrar no já, no agora, no imediato: "Um olhar para Os Lírios do Campo" e busca inocente a "Noites Brancas".
É preciso então deixar de se preocupar com os passos rápidos. Vai-se vagarosamente , pois , ao fim desse caminho há de se entender que é preciso viver e viver é ter sim de se esbarrar com o passado. É preciso agradecer aos psicólogos por suas receitas , porém, vale prescrever a eles que também têm passado que o melhor mesmo é colecionar lembranças e não descartá-las. Não se destrói jamais uma lembrança. Constrói-se a partir dela uma outra, uma obra.
De obra em obra, de vida, história e da trilogia Passado, Presente, Futuro aprende-se mesmo que no ápice de uma catarse prevalecerá de fato: "A Comédia da Vida Privada".

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Viagem Fantástica



Sempre foi e será o desejo
De todo e qualquer ser humano,
Uma viagem pelo mundo afora.
Um sonho que todos fazem
E poucos conseguem realizar.
Porém após meditar... A vida,
O maior anseio para ser feliz,
É dar uma volta fabulosa
Em volta de si mesmo.
Descobrir quem sou, afinal!
Eu posso girar em torno de mim
E pensar, ver, observar e definir.
Mais que isso é decidir-me.
O mundo é belo visto por mim.
O meu interior adormecido
Não dá tudo que tem para dar.
Um espírito sem rumo, que pena!
É só decidir-me! É viagem grátis.
Tudo a fazer em prol de todos.
Missão esplêndida, meu Deus.

Santiago Ribeiro

sábado, 22 de janeiro de 2011

Simone

Simone era bem pequena e já estava fadada ao fracasso. Nenhuma súplica muda seria ouvida porque não existiam ali os ouvidos que dessem conta daquele recado. Óbvio. Em um apartamento espremido entre tantas outras coisas de cidade grande, as crianças não crescem como flores nem os cachorros latem pelos melhores motivos. E Simone queria latir de ouvido, como quem canta. Alto, sentindo uma partezinha da garganta que quase ninguém vê (quanto mais ouve!). Ali, ninguém entendia disso, nem sua mãe, nem sua avó, nem seu avô, muito menos seu pai – que não voltava nunca de onde tivesse ido. Para aquela gente, latir, bem, era, claro, coisa para os cachorros. Simone estava fadada ao fracasso.

Não que fosse de todo diferente, tinha lá seus vinte dedos, seus dois peitos por inflar e algumas manias (rosnar à hora do angelus e uivar ao meio dia) como todo mundo tem suas manias. Mas, os avós, que a tudo julgavam ter visto, aquilo não tinham visto nunca, aquilo de uivar à mesa do almoço. O que se crê do que se viu, parece impossível do que nunca se viu, e não se vê por aí as coisas que nascem da impressionante habilidade de ouvir o que não se diz. E assim que ouvia as coisas não ditas, Simone queria dizer de volta, sem ver outro jeito entretanto: só se fosse latindo, sentindo uma partezinha da garganta que ou arranhava ou fazia cócegas e de cuja existência quase ninguém sabia. Isto fazia quando ninguém mais via: latia.

Os doutores eram unânimes em dizer que a coisa toda era psicológica. Os psicólogos eram unânimes em dizer que a coisa toda era esotérica. Os esotéricos eram unânimes em dizer que a coisa toda era física. Os físicos eram unânimes em dizer que a coisa toda era metafísica.

Outros que sabem (quem dera chegassem logo os que ouvem!) diriam que, Simone não falava porque ainda nem sabia latir, o que seria engraçado e do que os Outros Que Sabem ririam às pampas. Óbvio. Se Simone queria antes latir, antes não falaria nada, era, além de muda, coerente com seus princípios. Isso acertaram mesmo, que ela fosse coerente, tivesse olhos em brasa e dentro um grito preso, uma qualquer raiva que, com Simone, ao longo dos anos, ia crescendo.

Enquanto isso, a tudo assistia calada, aprendendo de cor todas as palavras também do inglês para latir em barks quando sozinha, sem ser incomodada.

Durou assim até a azeda festa de aniversário de seus 15, quando a irritou que sua mãe temperasse o bolo com lágrimas e tivesse ainda naquele dia entupido a minúscula sala com balões coloridos que ali pareciam os grandes invólucros dum velho desgosto. Não falou nem latiu. Não comemorou. Abriu a porta e saiu.

Sabe-se bem que as coisas das cidades são todas muito perigosas, que atrás dos postes podem se esconder os seres mais hediondos. A mãe de Simone não se conformava, de um tudo tinha tentado e,se agora se resignava, era porque dois calmantes faziam o bom efeito. Faltou-lhe um pai que chegasse e fizesse qualquer coisa. Era o que se ouvia entre o choro. Faltou-lhe um pai, repetia, aquele cachorro, repetia. Aquele cachorro.

Mas Simone já andava longe, já latia alto, já mijava nos postes e nos seres hediondos que atrás deles se escondessem. Quase como se tivesse pêlos, quase como se tivesse sido criada do nada, quase como se já estivesse na maior idade, quase como uma cadela vadia.

Só muito mais tarde, aos 80, ao meio dia, uivando seu último uivo entre os amigos de sargeta que com ela conheceram o mundo inteiro (Nova Yorks, Londres, Sidneys e Brasílias...) Simone se daria conta de que estivera fadada ao fracasso, não tivesse percebido cedo que a porta daquele minúsculo apartamento, naqueles velhos dias, sempre aberta, jazia.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

A Inegável Verdade do Ser


Sermos o que somos e mesmo assim almejando sempre o que devemos ser. De fato, ser é essencial. Se não for, você não é e logo não será o que deveras deveria ser sendo assim nada mais do que nada. Nada além do nada. Se formos o que somos seremos. Mas o que devemos ser? Devemos ser o que se é e logo, nada mais é do que nós mesmo. Pois cada ser é um ser diferente em sua essência, sendo assim um ser a existir com a certeza daquilo que se é e que isso que se é, é o que deveríamos ser.

A menina


A menina atravessava a rua, mãos dadas com a mãe. Preparava-se para descer o meio-fio. Aguardava meu carro passar para só assim chegar ao outro lado.

Ali paradinha, olhando para os próprios pés, sorria. Indiferente ao transito, indiferente à correria do sábado. Indiferente à conversa dos pais, ao irmão que corria. A menina estava só, ria só. Um faz de conta. Uma história inventada.
Era princesa, era fada.

O carro passou, a menina atravessou, inventando sozinha. Um futuro, uma brincadeira. Um sonho.O tempo passa. A menina passou. O carro passou. O dia foi. O sorriso ficou.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Em quê?


É preciso estar sempre atento, mas que isso não seja motivo para se perder a leveza do passo, nem a cadência do corpo. Para que a vida seja sempre um encontro, feito o beija-flor com a flor, ou o rio com o mar. Se é preciso atenção, e, sabemos que é, resta a dúvida. Em quê? No trabalho? Na casa? No relógio sobre a parede marcando nosso tempo de ir e vir? No homem que passa cabisbaixo? Na folha caída ao chão? Na moringa de barro, no cesto de vime, na garrafa de vinho, nas toalhas brancas com dobras bem marcadas dos finos restaurantes? Em teu doce olhar? Ou na dura realidade da vida — na moça apressada atrás do ônibus? Na feira? No preço do pão? Na tragédia da criança morta no semáforo? É preciso ir além. Estar atento aos minúsculos seres vivos da flora e da fauna, no cheiro da terra molhada, nos movimentos climáticos, nas ondas do mar, na vida que palpita em tudo e em todos. Atentos ao sabor e ao saber. Mas é chegada a hora da atenção maior, aquela a qual fomos chamados para que a vida não seja um simples passar. É preciso estar atento, sem descanso, numa busca incessante e prazerosa para nos conhecermos cada vez mais e saber quem realmente somos.


domingo, 9 de janeiro de 2011

Poema em prosa

O poema, para ser poema, precisa do verso?
O poema depende do verso?
É refém do verso?
Há poema fora do verso?

O GRANDE DESASTRE AÉREO DE ONTEM
“Vejo sangue no ar, vejo o piloto que levava uma flor para a noiva, abraçado com a hélice. E o violinista em que a morte acentuou a palidez, despenhar-se com sua cabeleira negra e seu stradivárius. Há mãos e pernas de dançarinas arremessadas na explosão. Corpos irreconhecíveis identificados pelo Grande Reconhecedor. Vejo sangue no ar, vejo chuva de sangue caindo nas nuvens batizadas pelo sangue dos poetas mártires. Vejo a nadadora belíssima, no seu último salto de banhista, mais rápida porque vem sem vida. Vejo três meninas caindo rápidas, enfunadas, como se dançassem ainda. E vejo a louca abraçada ao ramalhete de rosas que ela pensou ser o pára-quedas, e a prima-dona com a longa cauda de lantejoulas riscando o céu como um cometa. E o sino que ia para uma capela do oeste, vir dobrando finados pelos pobres mortos. Presumo que a moça adormecida na cabine ainda vem dormindo, tão tranqüila e cega! Ó amigos, o paralítico vem com extrema rapidez, vem como uma estrela cadente, vem com as pernas do vento. Chove sangue sobre as nuvens de Deus. E há poetas míopes que pensam que é o arrebol”. Jorge de Lima

EMBRIAGAI-VOS
“É necessário estar sempre bêbado. Tudo se reduz a isso; eis o único problema. Para não sentirdes o fardo horrível do Tempo, que vos abate e voz faz pender para a terra, é preciso que vos embriagueis sem cessar. Mas de quê? De vinho, de poesia ou de virtude, como achardes melhor. Contanto que vos embriagueis. E, se algumas vezes, nos degraus de um palácio, na verde relva de um fosso, na desolada solidão do vosso quarto, despertardes, com a embriaguez já atenuada ou desaparecida, perguntai ao vento, à vaga, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo o que foge, a tudo o que geme, a tudo o que rola, a tudo o que canta, a tudo o que fala, perguntai-lhes que horas são; e o vento, e a vaga, e a estrela, e o pássaro, e o relógio, hão de vos responder: - É a hora da embriaguez! Para não serdes os martirizados escravos do Tempo, embriagai-vos; embriagai-vos sem tréguas! De vinho, de poesia ou de virtude, como achardes melhor”. Charles Baudelaire

DATA DA POSTAGEM- 24/01/2011
PROPOSTA

Escreva um poema em prosa sobre um fato, um acontecimento ou ainda, em forma de “ensinamento”, “advertência”, como fizeram respectivamente Jorge de Lima e Charles Baudelaire.
  
Alguns clássicos do gênero "poema em prosa”:
- Pequenos poemas em prosa, de Charles Baudelaire (Nova Fronteira).
- Uma estadia no inferno e Iluminações, de Rimbaud (dentro do volume Prosa poética, da Topbooks).
-Os três mal-amados, de João Cabral de Melo Neto (Nova Fronteira, dentro da Poesia completa.