sexta-feira, 25 de junho de 2010

Um níquel para le misérable

Caiu! Pronto, lá se vai minha única moeda pelo bueiro da cidade. E agora? Sei não, se não tivesse tanta gente na rua até me abaixaria para pegar, afinal, quero comer e o restaurante é logo ali na esquina, mas e se eu fise-se, que mau teria? É logico, meu leitor, que irão pensar mal de mim, afinal não é digno de uma pessoa enfiar a mão dentro de um bueiro sujo, fedido, escuro para resgatar uma única brilhante moeda perdida, além do mais, são pouquíssimas as chances de reencontra-lá, mas, não deveria tentar? Não sei, essa duvida pode até parecer absurda para você leitor ou leitora, mas veja, ou leia, pelo seguinte ângulo, se vou adiante ninguém notara a minha existência e nem serei taxado de alguma coisa porém passo fome o resto do dia, e se me abaixo e por um acaso ache minha moeda, como, mas viro motivo de anedotas, o que não quero. Desisto, vou adiante. Fui, passado alguns momentos de mais extrema fome e arrependimento, encontrei para o meu deleite uma moeda perdida, provavelmente de algum envergonhado como eu, logo em frente.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Ruas Melancólicas

Todas as cidades as tem em seus mais diversos bairros, e elas, tal qual raízes de amargura e rastros de angústia, se vão multiplicando com o passar dos anos e das gerações. São restos de morbidez, fragmentos amontoados de infelizes instantes, espaços abandonados pelos resquícios de alegria. As insistentes recordações soturnas parecem flutuar em cada palmo de seu chão pisado por saudades. Nelas, até os gatos afogueados e os vira-latas deslumbrados se deprimem e passam correndo com medo do espectro da solidão quase vislumbrado na atmosfera lúgubre. Porque ali respira-se supremo abandono e inusitada velhice evanescente.
Como sorrisos apagados pelas tristezas constantes, as ruas melancólicas nascem denotando flores e, tempos depois, de inexplicável maneira, morrem exalando ervas daninhas. E tudo que nessas ruas outrora fora risos despencou para lágrimas cansadas, olhares esmaecidos, rostos desfigurados pela dor do nada, da insignificância explícita. Os olhos de quem por lá mora, abatidos, escondem tormentos indizíveis, quiçá assombros desconhecidos e misteriosos e sombras amortecidas quando fluem os ocasos desfigurados. Seus dias são de extrema solidão, da qual até a brisa se esconde espavorida deixando a sequidão de um sol em brasa também entregue ao ostracismo; já as noites escurecem desiludidas, transformadas em chagas num corpo doente pelo esquecimento da própria vida.
Há meros sinais de pobres silhuetas desamparadas nas calçadas nuas das ruas melancólicas, vêem-se muros borrados aqui e ali, paredes descascadas se destacam amofinadas em muitas casas insossas, cidadãos riscados do cotidiano lembram estátuas indiferentes aos pombos fazendo sujeiras sobre suas cabeças envelhecidas, tudo é quase um oceano de impropriedades repentinas. A impressão que se tem quando por lá somos obrigados a passar levados pela imprevidência é de um inesperado caos perfeito delineado por incontáveis destemperanças flutuando e surpreendendo. O anseio, por conseguinte, é dali desaparecer o mais rápido possível, desatar as amarras invisíveis a prender-nos e oprimir-nos, voar se condições para tanto houvesse. Permanecer nesse cenário impróprio, ainda que por uns míseros segundos, não é idéia das mais agradáveis.
Quisera não houvesse tais desenganos nas cidades que se deixam abater pelas incongruências de seus habitantes e terminam fenecendo em áreas indefinidas, tornando-se melancólicas ao longo do tempo. Por que elas são forçadas a desaparecer ante o desprezo de seus próprios habitantes ou a indiferença das autoridades responsáveis pela dignidade das cidades? As ruas melancólicas evidenciam-se como grandes feridas logo anacrônicas que jamais saram. Quem nessas artérias vive vai gradualmente morrendo parecendo nunca ter vivido.
Crônica escrita por Santiago Ribeiro


domingo, 20 de junho de 2010

De posse do objeto


  
E lá estava ela novamente olhando a vitrina. Uma compulsão tomava conta de todo seu corpo, frio e calor misturavam-se alternadamente. Não conseguia compreender tamanho fascínio pelo objeto exposto. Comprá-lo tinha se tornado uma obsessão. Era apenas questão de semanas. Mas, às vezes, um pensamento surgia rapidamente e junto uma sensação de que deveria protelar um pouco mais, pensar melhor, já que não via utilidade alguma nessa compra. Não era uma pessoa dada a caprichos e indecisão também não fazia parte de sua personalidade. Por que, então, não entrava na loja e acabava logo com essa aflição? Medo? Olhava o objeto delicadamente arrumado sobre a maleta preta. O tamanho perfeito, a cor prata brilhante conspirava e fortalecia seu desejo. 
Nesse intervalo, no qual se permitia todos os dias, entre o caminho para o trabalho e a loja um mundo novo surgia. E, dia após dia ela se via de posse do objeto. Chegava à sua casa, tirava lentamente os sapatos, o casaco, a blusa, despia-se toda.
Livre deitada no chão duro, como numa relva, somente o silêncio como testemunha de seu corpo disforme.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

“Um rápido confronto entre conto e crônica”

A crônica é o relato de um flash, de um breve momento do cotidiano de uma ou mais personagens. O que diferencia a crônica do conto são o tempo, a apresentação da personagem e o desfecho.
No conto, as ações transcorrem num tempo maior: dias, meses, até anos, o que não se dá na crônica, que procura captar um lance curioso, um momento interessante, triste ou alegre. No conto a personagem é mais analisada e/ou caracterizada, há maior densidade dramática e frequentemente um conflito resolvido em desfecho. Na crônica, geralmente não há desfecho, este fica para o leitor imaginar e tirar suas conclusões. Uma das finalidades da crônica é justamente apresentar o fato,nu, seco e rápido, mas não concluí-lo. A possível tese fica a meio-caminho, sugerida, insinuada, para que o leitor reflita e chegue a ela por seus próprios meios.
A título de exemplo: ─ você surpreende um garoto pobre tremendo de frio olhando fixamente um pulôver novinho na vitrina duma loja. Ora, isso dá uma excelente crônica. Você relataria o flash, a cena em si, mas não o desfecho: o menino comprou ou não o pulôver? Nada disso. Acabando de “pintar” o quadro, terminaria o texto, deixando ao leitor a tarefa de refletir sobre a miséria, a fome, a má distribuição de renda, a injustiça sócia etc. É essa, muitas vezes, a finalidade da crônica e a intenção do cronista. Seu texto não tem resolução, não tem moral como na fábula, é aberto para que cada leitor crie o final que melhor desejar. O cronista, no fundo, deseja que seu leitor seja um co-autor. A crônica, grosso modo, equivale à introdução dum texto dissertativo, sendo um meio-termo entre narração e dissertação.

DATA DA POSTAGEM- 22/06/2010

PROPOSTAS
1-Com base na cena “A”, redija uma crônica. Dê um título.

Ou pode optar pela proposta

2-Com base na cena “B”, redija uma crônica. Dê um título.



CENA "A"


CENA "B"

terça-feira, 1 de junho de 2010

Ex-marquesa de Rabicó

A inocência está presa
Presa em roda do arame
A maldade prendeu
Ela, e quem a ela prendeu

Suas roupas já não são mais suas
Muito menos sua força
A inocência, xi
Está gritando, esta rouca
Louca, ex-marquesa de Rabicó

Presa no arame farpado
No fundo sépia de uma sala escura
As flechadas e o pau tacado
Afugentara-a
A inocência se foi