quinta-feira, 24 de junho de 2021

Eu por mim e o Covid-19 - O ano que não terminou, por todos

 


Hoje 20.03.2020 – Estamos confinados. Uma prisão onde devemos sair ou ao mercado ou a farmácia. Então você faz tudo que tem para fazer e ai não fica mais nada a não ser a neura do tormento dessa maldição que se abate em nossas cabeças. A presença da doença e da morte. E já não temos mais saco para ficar descobrindo algo para fazer, para fugir dessa realidade escabrosa, terrível. Já deitei, cozinhei, li o jornal, limpei os armários, as gavetas, vi as mensagens e o status de todos pelo wattzapp, deitei, cozinhei e então percebi que se não tomar cuidado ficarei doente. Ontem vi uma senhora solitária sentada no banco, senti vontade de cumprimentá-la, dizer bom dia, mas então achei melhor não e passei por ela para não contaminar do que não sei. Talvez da solidão. Na volta ela estava no mesmo lugar. Então eu disse a mim mesma, vá até ela, e foi o que eu fiz. Iniciamos um diálogo e ela começou a falar sobre o seu marido morto em setembro de 1999, no ano passado. Procurou no telemóvel uma foto dele, com o ventilador, ou entubado como dizemos no Brasil. Olhei para a foto daquele homem e realmente estava cadavérico. Perguntei se tinha filhos. Disse ter três. Menos mal, pensei. Terminou falando sobre o Covid-19. Disse que nunca tinha visto isso em toda a sua vida. Nem eu. Ouvi mais alguma coisa e então fui embora. No autocarro uma mulher não parava de falar de forma histérica. Contava sobre o que as suas amigas faziam e dizia que não iria ficar neurótica. Falou de suas manias de limpeza e que não iria ficar neurótica. Novamente ela repetia a mesma palavra. Finalizou sobre as novas ordens governamentais e que não iria ficar neurótica. Eu desci no próximo ponto com a sensação plena de que aquela mulher estava neurótica. Hoje dia 20 foi decretado estado de calamidade pública no Brasil. Estava fazendo um lanche já tarde da noite e senti uma falta danada do lord. Senti saudade da sua companhia, de ver ele ali fazendo algo, embora distante de mim. Seu silencio, sua voz uma vez ou outra. Sua bermuda, seu chinelo de ficar em casa. Senti uma dor no coração, mas que depois graças a Deus, na sala peguei novamente o tele móvel e fui vendo as noticias do dia e a coisa foi passando e tudo foi sumindo ficando abafado dentro de mim, lá no sótão do coração. Estou desempregada. O café em que trabalhava o dono dispensou meus serviços. Claro eu não tinha contrato e o estado de emergência estava sendo declarado. Reclamar a quem? Acho tão esquisito e sem sentido alguém dizer agora não pode mais beijar, abraçar, ficar perto. Como se ninguém soubesse que isso era feito somente para mostrar ao outro que estava olhando ou Deus. Claro que não todos. Conheci quatro irmãs que não cansavam de dizer umas as outras: Eu te amo. Amo-te. Achava tão lindo aquilo. Era tão sincero. O jornal de hoje tem uma reportagem sobre os idosos. Uma senhora em seu depoimento folheia o livro sagrado, uma carta do apostolo Paulo: “Combati o bom combate terminei a minha carreira, guardei a fé” – Leu a idosa. Depois disse: “Isso há de passar. Vai passar não vai?”. Ao mesmo tempo a senhora faz uma afirmação e uma pergunta contradizendo com sua fé no livro sagrado. Não guardou a fé. Estamos como ela? Sei que desde que me conheço por gente não confio nos homens e nem nunca confiarei. A confiança nele é momentânea depois vem o desgosto. Já com Deus não, é para toda vida. Digo isso como uma não religiosa, alguém que acredita nele sem precisar de intermediários exceto seu filho Jesus Cristo. Finalizou a conversa.

 

Hoje dia 25.03.2020 mais de 5.224 mortos na Itália em virtude do Covid-19. Hoje dia 25.03.2020, foi ontem. Hoje é dia 11 de abril de 2021, demorei um ano e quase um mês para voltar a esse caderno e digitar minhas sensações perante essa tragédia toda. Esse ano que não terminou. Retorno a elas e leio: Espanha mais de 2.800, França 1.100, Irã 1934. Estou quase acreditando que o jovem que dorme na cama ao lado tem razão em passar as noites em claro e os dias dormindo. Ver esse dia lindo para quê? Me digam para quê? Para procurar uma alquimia e esquecer o que é viver? Ontem por volta das 21hs comecei uma oração que ainda não terminei, hoje já são quase 14hs e ainda não terminei, estou na mesma oração, teve começo, mas não tem meio e nem fim. Comecei clamando ao Pai em nome do filho, foi quando comecei a sentir vergonha das minhas intenções pois eu não sabia distinguir se estava ali para pedir em minha infinita pequenez ou se para reclamar no pedestal da minha arrogância e infelicidade. Agora entendo porque muito preferem a ladainha repetitiva do padre e dizem isso até a exaustão. Exaustão de quem? De si mesmos. Pois Deus tem mais o que fazer e não autorizou ninguém a repetir a ele coisas que ele já sabe. E assim esse dia passou e uma nova manhã raiou e eu esqueci que na noite anterior desejei acordar cedo para ver se encontrava a gloriosa estrela da alva brilhando no céu. Acabei esquecendo e fui lembrar desse desejo agora dentro do autocarro enquanto sigo com destino a Leça da Palmeira. Sô existe eu e o motorista dentro do ónibus. Se não visse algumas pessoas andando na rua diria que estou transitando em uma cidade-fantasma. Referente a oração acho que não vou terminar tão cedo, espero que não tão tarde. Essa solidão que agora me é imposta não é nova em minha existência. Sempre existiu. Quando mergulho numa espécie de angústia quando o dia acaba e a noite começa eu continuo a conservar a lembrança de um mundo cheio de luz. Não este envolto em trevas, mas aquele outro que o Criador promete.

Estava pegando a toalha para tomar banho e comecei a perguntar: Para quê? O que irei fazer logo após o banho? Andar como um fantasma tendo como saída somente duas coisas, supermercado e farmácia. Eu não quero comprar pão para viver e remédios para morrer. Tipo um engov antes, um engov depois. Obrigada por me darem essa ansiedade misturada com doses de neurose. Não quero drogas. Não quero gula. Não sou doente. Obrigada por tudo isso. Por não conseguir mais terminar um livro, ver um filme. Ou se consigo não saio dessa realidade, desse pensamento desse holocausto. Todas as manhãs contando os mortos. E ainda dão ordens de como vamos viver. Quando nem ao menos sabem do que se morre. E vivemos uma enorme incerteza neste momento em que digito esta última palavra. Há três dias atrás antes de dormir comecei uma oração que ainda não terminei. Como pode uma oração sem fim? Ontem na janta tentei agradecer a comida mas não consegui, ficou engasgada na minha garganta juntamente com a comida. Olhando pela janela vi uma grama verde e o sol batendo nela. Pensei em ir até lá, deitar e pensar. Talvez consiga ler, olhar as nuvens e terminar minha oração. Então lembrei que colocaram faixas nos bancos para os idosos não sentarem, para não fazerem aquilo que os mantinham vivos por mais um tempo. Sentarem no banco e ali ficarem olhando o nada. Porque a velhice traz isso: o NADA. Foi então que meus braços foram perdendo a força para levantar e voltei a deitar na cama e fiquei olhando o teto branco. Um holocausto. A operadora ligou e mandou a mensagem que dia 30 preciso colocar saldo. Então que no meio de tantas mortes encontro noticias dos famosos e suas vidas eternizadas, eles e suas casas maravilhosas, confinadas e com tudo de bom em abundância dizendo aqueles que nada tem fiquem em casa. A esposa do R7 passeia com seus filhos e alguém do BBB está sendo eliminado e ainda estão construindo casas e mais casas e vendendo isso e vendendo aquilo, e mandando mensagem que logo isso vai terminar, como se estivesse no poder deles fazer alguma coisa diante de tantas mortes. Sinto cheiro de corpos em decomposição vindo dos quatro cantos da terra.

Sonhei com o lord esta noite, hoje dia 08.04.2020. Sonhei que ele estava arrumando as coisas e indo embora. Ia para um país desconhecido. Não lembro qual. Sei que era longe… meu coração doía.

Estou agora sentada em uma pedra em frente a praia de Leça da Palmeira. É uma época difícil, época da peste. Pudera ficar aqui, morar debaixo de uma dessas pedras sem precisar de mais nada, como as aves os peixes e os insetos marinhos. Se é que existem insetos marinhos. Comer ou tocar como faço agora das ervas e flores que nascem entre as pedras. Ser abraçada pelo vento amigável que despenteia meus cabelos, o sol que aquece meu rosto e a doce canção do mar em seu vai e vem, em uma sintonia suave tocando tranquilamente nesta tarde de sexta-feira. Pudera me transformar na espuma das ondas do mar ir até a areia e continuar dia após dia nesse vai e vem sem fim. Trabalho como ajudante de cozinha em um take way. Não posso falar mal daqueles que ora me ajudam. Não sou ingrata, mas aquele homem cozinheiro e dono do estabelecimento é de uma porquice sem tamanho. Aquele homem espirrou quatro vezes próximo a panela de comida que estava fazendo e eu senti nojo dele. Quando espirrou senti vontade de abrir o guarda-chuva para me proteger. Pior ainda foi o dia em que limpou o nariz no pano da cozinha e colocou ele no mesmo lugar. Se fosse somente ser um fumante inveterado com as cinzas caindo pelas panelas daria até para suportar, mas nessa era da peste é inadmissível.

É tão grande esse tormento!

 Lailin (Márcia Mesquita)





 

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Menino da poeira em olhar refletido.


Menino da poeira.












Um menino que cresceu sobre pedras, que lhe inspiravam a cantar a cidade com suas grandezas. As pedras que por lá brilham, estão presentes nas casas, nas pessoas, nas ruas e igrejas. A cidade cercada de serras, explodidas todos os dias. Era lindo ver a poeira subindo na nuvem reluzente. Menino nada entendia da poluição e devastação.

Todos os dias pela manhã o menino subia a serrinha em frente a sua casa, de lá sentia o ronco das explosões, a terra tremer como dias de trovão. Era lindo aquele pó brilhante, espalhar pela cidade, assistia a mais severa degradação com brilho nos olhos. Somente mais tarde percebeu com olhos tristes, o fim de suas serras lançadas sobre os vagões em direção ao Japão.

Ainda hoje, quando o sol se faz presente lá em Itabira, as ruas ficam brilhantes, as pessoas brilham como se estivessem com purpurinas. Agora distante no tempo, olha o espelho para o menino crescido, ouve explosões, e sente a teimosia de uma lágrima que umedece a pedra em seu coração.

Agora vejo que lá vai o trem com seus vagões, apitando e serpenteando pelas serras, levando parte de minhas lembranças, que em pó se fizeram na distancia. Mas ainda brilha em mim.


Um olhar refletido.
 


Quando me vejo num frio espelho,
faço uma bela viagem encantada,
nestes fios brancos do meu cabelo,
contam historias de uma jornada.

Em nenhum momento pensei pintar,
apagar estas marcas de uma vida,
pois minha fala vai me delatar,
todas as experiências adquiridas.

Que dizer da cor cinza deste olhar?
Que se fez verde numa primavera,
diante um por de sol a me inspirar,
vê no espelho uma vida efêmera.

Mas no fundo carregam a saudade,
a infância bem vivida no interior,
aquele menino feliz na tenra idade,
recria sonhos na vida de sonhador.

Pelos caminhos de pedras suportou,
com fardos pesados da vida dura,
na imagem espelhada que restou,
um menino dentro da armadura.

Toninho.
08/05/2014
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É sempre bom estar aqui a participar dos exercícios propostos pela querida Sueli Aduan. Grato sempre Sueli.


 

sábado, 3 de maio de 2014

Eu por mim...

Sou aço;
Simples, forte,
Brilho mais a cada martelada que a vida me dá,
Sou clara, lisa, talvez com alguns riscos que os dias e a maturidade me deixam,
Às vezes, escureço, preciso de polimento, me renovo;
Sempre inteira mantendo a integridade, lutando para não envergar,
Mas não sou fria, seca, imóvel,
Nem poderia, tenho coração, rio, choro, sinto!
Assim sou, uma viga de aço, mas com alma.

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Entrelaçando diferentes linguagens


Autorretrato é uma forma de registro em que o modelo é o próprio artista. O retratado é quem se retrata. 
K. CANTON

Na verdade, o autorretrato sempre acampanhou o ser humano em seu desejo de deixar uma marca de sua própria imagem, mesmo depois da passagem de sua vida. Essa autorepresentação foi tomando formas diferentes no decorrer do tempo... Já na Pré-História, homens e mulheres desenhavam suas identidades com a marca das mãos dentro das cavernas. Colocavam as mãos contra a parede e sopravam pó colorido, marcando suas formas nesses locais protegidos, para que ficassem gravados para a posteridade.


PROPOSTA
DATA DA POSTAGEM  12/05/2014

EXERCÍCIOS DE MIM

Olhe-se de uma nova maneira no espelho. Com bastante atenção. Repare no seu cabelo, na sua pele, no seu olhar. Veja o desenho de seu nariz, o queixo, as orelhas. Olhe-se de frente, de perfil. Olhe-se de todos os ângulos possíveis.

A partir dai é só "escolher" e postar.

Escolha a maneira como quer se retratar: desenho, fotografia colagem, o que preferir. Escolha também  uma poesia da sua autoria ou do  seu poeta preferido, que melhor defina sua identidade.