segunda-feira, 27 de junho de 2011

Novela

    Assistia todas as novelas, duas, seis, sete, oito e qualquer outra reprise que pudesse passar entre esses horários. Entre sonhos e panelas, desejos e afazeres aquela vida encantada das novelas dividia sua mente entre os devaneios e a realidade, mais devaneios que realidade. Se imaginava a mocinha da novela das seis e num passe de mágica era a própria megera da novela das oito. As megeras tem seu charme, mas isso até o próximo capítulo pois no final queria a mocinha, seus destinos são perfeitos, todo sofrimento em prol ao um destino de contos de fadas.
    Por vezes se revoltava diante do sapato gasto e as roupas de todos os dias, nem as empregadas da novela das sete repetiam figurino, sempre tão coloridos e alegres. E tudo acabaria bem no final, com casamento e festa. Assim seria sua vida, por hora imaginava, mas cria piamente, seria um enredo de novela.
    Sofreu horas e horas a fio o triste destino do núcleo pobre, vítima de carrascos e injustiças. “Ah um dia o mocinho olharia para ela e só ele saberia o seu real valor. E a levaria para sua grande casa, com carrão e mordomo, e o esperaria com seu lindo vestido longo no topo de uma escadaria enorme.” Ensaiava mentalmente o que diria quando o mocinho se declarasse, diria palavras bonitas, nem sabia o significado de muitas delas, mas eram bonitas.
    Um dia, como outro dia qualquer. Acordou cedo com a cara inchada, descabelada, insatisfeita com seu destino tão lento, dia de feira, a patroa queria que fosse cedo, não podia perder o melhor da feira. Arrastou as sandálias pelo asfalto com a cabeça nas nuvens. Entre pepinos e abobrinhas o moço era lindo, a voz que lhe cortejava para uma compra perfeita e lhe piscava um olho galante. O coração lhe saltou à boca. Se deteve analisando as possibilidades. Virou-lhe as costas afinal, o mocinho não estava encerrado num cubo.

sábado, 25 de junho de 2011

Ruídos do Centro de São Paulo


O vagão vazio da alma curiosa está parado na estação Liberdade. Aponta para a rua, subo. Subo pelas escadas rolantes da estação, cantando Villa-Lobos. Louco, rouco. Corro pela rua vazia de sentidos, e desço na esquina que a corta. Rasga coração da avenida. Travessia de sentidos, ouço ruídos transeuntes, me perco. Não geograficamente, mas, psicologicamente. Percebo que nada mais existe para me receber e que nada se enxerga quando não se quer ver, nada respira quando não há necessidade. Tento gritar, mas o choro n.10 roubou-me a voz. O que fazer? Nada, meu celular se foi na Sé, meus pensamentos se perderam no caminho, meus sentidos pararam na esquina para comer no açaí. Me percebo vazio. Olho em volta, apenas pessoas de braços cruzados me percebem, não me recebem. Acima, na Pérola Byington, desisto. E volto, todo o percurso, para tentar recuperar o que me foi roubado. Mas, desolado, resolvo escrever em um pedaço de papel com o extrato do meu cartão de débito no vermelho: nunca sair de casa, sem anotar pra onde vai. Pois se o caminho te desorientar, você saberá pra onde chegar. Pois nestas andanças sem sentido, acabei perdendo forças ao invés de algum lugar voltar. Fato, devo pelo menos anotar o número do lugar.

domingo, 19 de junho de 2011

"O DESFECHO"


Lendo o texto de Bandeira , AQUI,  percebemos o impacto de um desfecho não esperado pelo leitor. Muitas vezes, o momento mais importante  da construção do enredo é o fim da história, o desfecho. O desenlace. Principalmente em anrrativas curtas, é geralmente importante manter o leitor preso ao desenrolar das ações, com a imaginação seduzida, com a curiosdiade fisgada até o fim até o desenlace

Nosso hóspede

Era um sujeito de poucas palavras, desses que vez ou outra aparecem por aqui e só nos cabe o silêncio e um impecável atendimento. Não posso dizer que não ficava intrigada toda vez que o via descendo as escadas. Arrastava um pouco a perna o que aumentava a áurea de mistério que envolvia sua vida, além da minha própria desconfiança. E, a bem da verdade, a desconfiança não era só minha, não. De hábitos estranhos saía de manhãzinha levando uma pequena maleta preta e só retornava a noite. Exatamente no momento em que nosso hóspede chegava eu sempre me encontrava sozinha na portaria. Foi quando numa dessas noites e com um céu estranhamente estrelado, a lua indo alto, que percebi: não voltou com a maleta,  e as mãos estavam manchadas de vermelho. Sangue, pensei.  Tive a exata sensação que ele leu meu pensamento ,e, também notou  o meu espanto, pois rapidamente olhou-me nos olhos e a queima-roupa disse: A próxima será você. Quis correr, mas não consegui. E ele rindo muito falou: Vermelho deve ficar muito bem  para você. Sou cabeleireiro. 
sueliaduan

Podemos perceber como a preocupação com o desfecho torma mais interessante textos, histórias, poemas.  No texto de Sueli aduan, a surpresa do final inesperado parece ter como fator comum aliviar a tensão o "choque" das expectativas do leitor, e fazê-lo rir, desconcertá-lo, semelhantemente ao poema de Bandeira.

DATA DA POSTAGEM 04/07/2011

 PROPOSTA

Escreva um conto curto ou um poema

com desfecho inesperado.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Do ato de conceber


Era assim que concebia a beleza. Não que alguém lhe tivesse dito, não. Isso não. Gostava mesmo de pensar por si. E uma folha é uma folha tão somente, e sempre bela. Podem ser secas com suas nervuras amarronzadas e quebradiças ou ainda verdes brilhantes, cheias de vida. Árvore, papel. Não importa.

Era assim que concebia a beleza. Não que alguém lhe tivesse dito, não. Isso não. Gostava mesmo de olhar, observar. E um copo é um copo tão somente, e sempre belo. Podem ser de vidros transparentes, jateado ou de cristal, âmbar, azul. Cheio ou vazio. Não importa.

Era assim que concebia a beleza. Não que alguém lhe tivesse dito, não. Isso não. Gostava mesmo do apreciar o movimento. E um corpo é um corpo tão somente, e sempre belo. Nem sempre nu é que se encontra livre; nem sempre sorrindo, feliz; nem sempre se sabe. Não importa.

Era assim que concebia a beleza.

Uma folha,
Um copo,
  Um corpo.

Palavra.
Vinho.
Prazer.



segunda-feira, 6 de junho de 2011

Deixe o amor invadir seu edifício

O amor é diferente de todas as coisas delicadas que já vi: é a mais delicada de todas.
Ou se percebe nele a fragilidade de cada instante, ou não se percebe nada: ou se faz amor às avessas, com insultos, berros, lágrimas.
O amor volta
e cura as feridas como uma espécie de tempo morno e úmido que invade a sala.

O amor tem a delicadeza das florestas, como um broto de planta, um pássaro catando gravetos, a suavidade da natureza invadindo um edifício abandonado: primeiro as poeiras, depois os bichos, depois a mata.

E tudo ali se renova, como no amor, na delicadeza, do seu jeito de me acalmar, com amor com chás, piadas, sorrisos e beijos encantadores.
É claro,
assim como o homem dominou a delicadeza das florestas, dominou também a do amor: esse que tanto se faz, tanto se faz às avessas, com gritos, pontapés, armas, festejos de morte, à mercê.

Mas isso deixamos lá fora, longe do nosso apartamento.
Perto de você
estou perto de uma cachoeira de amor correndo suas águas mornas.

*Imagem daqui: http://www.flickr.com/photos/3sth3r/2065611897/

sábado, 4 de junho de 2011

Memórias de um silêncio eloquênte.

            Pensei em te agarrar pelo colarinho, te chacoalhar, gritar, pensei até em te esbofetear.  Até entender o que estava fazendo.
            Pensei em ignorar.
Pensei em disfarçar, em me fingir de santa.
Pensei em dar um tempo.
Pensei em sumir.
Pensei em te castigar.
Pensei até em te humilhar. Causar escandalos. Colocar sua vida na lama.
Pensei que se eu dissesse, que se eu me fizesse presente e se relevasse entenderia.
Eu pensei também que isso tudo era uma grande bobagem. Uma coisa de momento, que iria passar e eu tocaria a vida.
Ah pensei em ir atrás.
Pensei em implorar.
Eu pensei...
Em fugir.
Pensei em correr.
            Em me esconder.
            Pensei em que faria com essa raiva, que é a antítese desse amor.
            Diacrônico.
            Pensei, pensei tanto, pensei tudo.
            É o que me há de fazer.
            E guardei o silencio.
            Que é eloquente.
    ... não há de ser em vão.
   

sexta-feira, 3 de junho de 2011

AMO-OS CARINHOSAMENTE



Fecho a tela da pesquisa
Melhor não saber nada
Coisas que para dizer a verdade temo
Passo longas horas
No processo de espera
Longos dias deitada
Longas noites procurando nomes...
Tantos nomes difíceis de gravar
May, Selenia, Valéria, Dani, José, Romério...
Não há nada melhor
Do que acordar na madrugada
E ver que estão todos ali
Me dizendo alguma coisa
Enquanto eu aborrecida e indisposta
Tentando mudar o sentido
Então, Patricia, insistia nos eventos
Uma vez ou outra contava os episódios de sua vida
Seu trabalho
Suas lutas
Eu, silenciosa e absorta
Passando as horas
Olhando a tela
Uma música e uma voz dizendo:
Será um brilhante, um brilhante dia de sol
Pensei nisso - pensei e pensei
Fecho os olhos e
Olho para as nuvens
O esplendor do mar e do sol
enquanto as palavras jorram
rápidas e eloquentes, como nunca

Mlailin