segunda-feira, 23 de maio de 2011

"Liberação da linguagem e do Pensamento"

 
Existem experiências que nos despertam o fluxo de idéias e de palavra, que nos trazem o gosto de estar escrevendo; além disso, experimentamos o reconhecimento de que estamos redigindo com a nossa própria voz, com as nossas palavras, escrevendo o que queremos, o que faz sentido para nós. Dentre inúmeras experiências de liberação, provavelmente a mais fecunda seja a enumeração. Enumerar é um dos modos básicos de se redigir um texto, um modo milenarmente praticado, muito importante na literatura — principalmente no Modernismo.

A escrita enumerativa não substitui a escrita discursiva. São duas formas diferentes de escrever, de certo modo opostas, mas complementares. A associação por analogia, característica da enumeração, vai revelando a presença de acontecimentos, lembranças, objetos, iluminações, desejos, contradições, marcas, sentimentos, sensações, ausências, sonhos, de elementos que são a própria matéria-prima do texto enumerativo.

Enumerar e descrever; Enumerar e narrar; Enumerar e dissertar; Enumerar e definir. Observe como isso se acontece no poema em prosa de Jorge de Lima, AQUI ,e também no belíssimo: Sonetos-Luis Vaz de Camões, AQUI,   E há muitos outros como: — “Perguntas de um trabalhador que lê”, de Bertolt Brecht, “Felicidades” do mesmo autor, “Cidadezinha qualquer”, de Carlos Drummond de Andrade.



DATA DA POSTAGEM 13/06/2011

PROPOSTA

Escreva um conto curto ou um poema no qual
ocorra o processo enumerativo.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Segundo período da faculdade de psicologia da federal


É difícil precisar o segundo exato em que um qualquer pensamento mata qualquer coisa no corpo que passa então a ser apenas uma memória do que já foi um dia. Mas por um motivo simultâneo, o grupo de amigos do segundo período da faculdade de psicologia da federal acordou na manhã de sexta com qualquer coisa faltando em si, o que resultou em um frenético desejo de cuidar da própria vida. Como só tinham aula na faculdade à tarde, usaram a manhã para fazer coisas.

João cuidou de fazer a barba, cortar o cabelo curto e comprar um tênis que substituísse as alpargatas compradas há dois anos na Bolívia. Marcela telefonou às 10:30 para transformar em ex-namorado o que então era só um cansaço, e confessou desejar sinceramente que ele fosse se foder. Lívia passou na farmácia para comprar drammin, sal de frutas e remédio para o fígado e aproveitou para anotar, equilibrando o cigarro e a caneta entre os mesmos dedos, o telefone da religião perto de sua casa que misturava ioga, budismo e macrobiótica e que não era bem religião, mas uma filosofia de vida. Alfredo foi até a rodoviária comprar passagens para passar o próximo final de semana em Passos e, reunido à sua família, interá-los de seu homossexualismo. Estér escreveu uma lista com dez motivos para não se suicidar e a meteu na bolsinha que carregaria pelos próximos setenta anos. Só Minerva fez exatamente o que fazia todas as manhãs: foi ao treino de dança, como que excluída da necessidade dos outros de mudar porque já tinha os cabelos na altura certa, a cintura de bailarina e o amor voltado todo para a dança. Era o que Estér dizia dela, que não mudaria nunca porque era perfeita e navegava rumo ao futuro como um barquinho charmoso cortando águas mornas e serenas. 

À tarde, quando se encontraram na cantina antes da aula de história, João cuidou de fazer piada sobre seu próprio novo visual e manter escondidas suas verdadeiras resoluções. Marcela gritou que estava solteira assim que foi avistada de longe. Lívia ficou do lado de fora porque estava fumando, não tirou os óculos escuros. Alfredo cismou de esfregar ininterruptamente as palmas das mãos que sentia geladas e quis animar o pessoal a pedir um café quente. Estér pediu uma salada de frutas e gostou do gosto de decidir e fazer o que decidiu: viver: isso disse aos outros sorrindo. Só Minerva não foi à aula, porque passou a tarde morrendo no hospital das clínicas por conta de um aneurisma cerebral. 

Quando souberam da notícia, sentiram escapar por entre os dedos os cuidados com suas próprias vidas e, entre abraços e pêsames, sussurraram que tudo muda de uma hora para a outra à sombra do destino. João trancou a faculdade de psicologia, cursou engenharia, mas só se formou em biologia onze anos depois. Marcela casou-se sem amar, e teve três filhos. Lívia nunca conseguiu parar de fumar. O pai de Alfredo passou quatro anos e três meses sem dirigir-lhe a palavra. Não conseguiram precisar exatamente a hora em que Minerva morreu, mas dizia-se que à mesma hora Estér anunciava, enquanto comia uma salada de frutas, que havia decidido viver. Como Minerva. Como um barquinho charmoso cortando águas mornas e serenas.

Estér morreu aos noventa e três anos, muito depois de seus amigos de faculdade, de quem sentia falta e por quem, às vezes, chorava, especialmente quando pensava em Minerva e desejava lhe falar que era pra ter acontecido com ela, era pra ter sido ela, era para ela ter ido primeiro. E o que pode fazer Estér então, senão viver setenta anos com um motivo a menos.


*Imagem de: Gatnau/Flickr: 
http://www.flickr.com/photos/gatnau/224691493/sizes/m/in/photostream/ (c/c)

sexta-feira, 13 de maio de 2011

"LOUCO!"


Qualquer semelhança não é mera coincidência
Juvenal havia pedido a seu patrão para sair uma hora antes do horário. Sua esposa Maria queria que ele chegasse mais cedo para ajuda-la com o jantar para o filho. Quer dizer não era seu filho. Era o filho mimado de sua Maria, sua querida Maria. Quase cinquenta anos de casamento, tinha veneração por ela. E assim Juvenal correu para fazer sua vontade.
Eram quase 19Hs. e Maria do Juvenal estava na metade do jantar. Depois de quatro anos com o filho morando em Hortolândia, aquela para ela seria uma noite especial. Iria comemorar a volta do filho querido. Tanto tempo longe. Essa não era a primeira vez, ele já esteve uma vez em Araraquara. Mas a vida é assim mesmo. Que família hoje não sofria? Por ele era capaz de qualquer sacrifício. Até mesmo de sacrificar a sua vida, como fez muitas vezes. Os vizinhos podiam sentir o aroma gostoso de um frango sendo frito numa panela de ferro. Mesmo com os olhos cansados e sentindo uma dor insuportável no nervo ciático, iria aguentar, e depois logo mais, ela poderia descansar e amanhã ficaria o dia inteiro na cama. Quase oito horas e a campainha tocou. Maria enxugou as mãos e foi atender. Se jogou nos braços do filho num longo e demorado abraço, deixando as lágrimas caírem em seu rosto enquanto alisava os braços daquele homem de 53 anos, estatura média, gordo e oleosos cabelos claros. Depois dos abraços e beijos os três sentaram-se à mesa da cozinha e o jantar foi servido.
Meia hora depois ouviu o filho dizendo ao pai que não devia se preocupar. Que agora tudo iria dar certo. Precisava de alguma quantia, não era muito, era o suficiente para pagar as dividas que havia feito nos anos em estivera fora. Eles sabiam como era difícil encontrar um emprego. Depois que encontrasse um lugar para ficar, e a poeira baixasse, poderia cuidar melhor da sua vida, mas agora precisava de ajuda, seria só essa vez. Juvenal ficou olhando-o, apreensivo. Há quanto tempo vinha aguentando isso. Por quanto tempo ainda teria que aguentar isso? Quatro anos preso pelo mesmo delito e pela segunda vez! Não aprendera nada. Nunca iria aprender nada. O filho percebendo a angústia do pai disse, um pouco mais brandamente: Vamos tomar um café. É disto que está precisando para reanimar-se.
A caixa de fósforos havia voado pelos ares. Na porta Zé Branco apanhou-a e colocou-a no bolso. Era quase meia noite, quando se afastou da casa de tijolinhos guiando o carro do seu pai Juvenal. A pequena distância dali, no posto de gasolina ele parou tirou algumas notas do bolso e pediu ao frentista que enchesse o tanque, enquanto ia buscar uma cerveja.
Na manhã seguinte quando Aninha a empregada da casa chegou, estranhou encontrar a porta da sala fechada só com o trinco. Mas pensou que idosos sempre esquecem. Seguiu até a cozinha, mas não entrou ali mesmo na porta colocou a mão na boca segurando o grito enquanto corria em desabalada carreira para a casa vizinha.
Cont...
mlailin

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Uma noite estranha

Era noite de Natal, estavam todos reunidos na sala, ainda esperando a chegada de outros convidados, Roberto estava nervoso, pois era o primeiro Natal de casado e não sabia se estava recebendo bem os convidados, preocupado com Marina, que não saia do quarto para ajudá-lo na recepção.
Marina estava lá, sozinha trancada, tomando coragem para a decisão que mudaria sua vida.
convidados rindo na sala, todos animados, comentando do capricho de Marina ao prepaparar o cardápio, a decoração, tudo perfeito e de bom gosto, bem ao estilo dela, Roberto rindo amarelo e arrumando desculpas para a ausência da esposa.
Ela decidiu, então, que mudaria tudo aquela noite, não aguentava mais esperar para comunicar, sabia que seria um choque, mas aguentaria a reação, chega de se importar com a opinião da família, já havia estudado o que eles queriam, casado com quem eles concordaram, o marido era um bom homem, bem mais velho, amigo do pai.
Quando ele declarou-se para ela, o pai fez de tudo para que aceitasse a proposta de noivado, e como ela tinha muito carinho por Roberto, sem esperança de ficar com seu verdadeiro amor, acabou aceitando.
Enfim, mas agora resolveu tomar as rédias de sua vida, desceu a escada, pediu a atenção de todos e deu a notícia...

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Noite densa, noite de trevas.

Belíssimo/forte/arrepiante: "Noite densa, noite de trevas", da minha querida  amiga  Márcia Lailin, será postado no OFICIO.
E com o aval dela. 
grata, Lailin.

sábado, 7 de maio de 2011

Aroma de Café


Indecisa escolheu não acender todas as lanternas da entrada, os convidados, os de sempre, conheciam muito bem o caminho até a sala de jantar. Agindo dessa forma poderia olhar e ser olhada sem que ninguém desconfiasse de nada. Há tempos vivia esse dilema: — encontros escondidos, bilhetes trocados por debaixo da mesa, um sorriso mais demorado, coisinhas delicadas que tão bem lhe faziam. E, toda cheia de si não tinha o menor interesse em mudar essa situação, não. Situação que Heitor achava insustentável e com desculpas, que não convenciam Beatriz, ele não comparecia em todos os jantares.


Esse fato muito alegrava Quitéria que podia se recolher mais cedo, já que Heitor era o único dos convidados a tomar café após o jantar. Ainda ontem pensei sobre o fato e o que poderia ter dito. No momento a gente nunca diz né Quitéria. Você sabe tudo é sempre depois. Quitéria ali no canto, esperando a água ferver, ouvia Eulália com seu jeito desbocado de falar e mesmo sem entender muita coisa balançava a cabeça numa atitude de concordância. De menina aprendeu a concordar com todos.


O aroma do café chegou até a sala e Heitor já de pé se dirigia à cozinha seguido discretamente por Beatriz. Ao vê-los juntos Quitéria entendeu, como num passe de mágica, o que Eulália tentou evitar. Na hora, o que me veio foi tirar a faca da mão dele e limpá-la. Porque tudo foi também rápido. O chapéu caído ao chão, Beatriz morta. Seu grito abafado pelas risadas vindas da sala. O silêncio de Eulália que mesmo pressentindo o infortúnio calou-se. Uma dor inimaginável percorreu todo meu ser. A dor em constatar que no momento a gente nunca diz. Tudo é sempre depois.