terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Um mimo para pessoas maravilhosas"

"É só clicar em cima do selo (copiar) e depois colar"
(Fiquem à vontade para colar)


                                                                                                                                

                                 

MUITA ALEGRIA NO CORAÇÃO

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Processo criativo literário

Antes de mais nada, gostaria de agradecer ao carinho da Sueli pelo convite e oportunidade de pertencer a este belo grupo de literatas.

Penso que é fundamental que um escritor saiba dar contornos às suas inspirações para que possa conduzir de forma coerente, até o leitor, aquilo que deseja expressar, seja por meio de longas narrativas novelísticas ou somente na beleza de curtos e contundentes poemas. Nem sempre as inspirações são transformadas em ótimos trabalhos literários, isso, em minha opinião, depende não somente da capacidade do autor em si, mas, também, de seu momento emocional.

Comigo, a inspiração ocorre basicamente de forma espontânea, mas já aprendi a estimular meu interior para que ela venha à tona quando preciso, em uma espécie de evocação de informações que se combinam a sentimentos muitas vezes armazenados em locais de difícil acesso de minha alma. A partir daí, a mente fervilha de ideias que precisam fluir e são jorradas com a força de uma represa que acaba de ruir, inundando, seja o papel, seja o gravador eletrônico, com todas aquelas frases, palavras e descrições de imagens que vão se atropelando à medida que são formadas dentro da cabeça.

Uma vez que tudo esteja diante de mim, para que eu possa “trabalhar” a argamassa da escultura, combinar as tintas da pintura, começo a lapidar meu carvão literário em forma de textos até transformá-lo em um diamante.

Daí para frente ainda entram outros processos: revisão, análise crítica, enfim, até chegar ao final, mas a essência da transformação ocorre mesmo é nos primeiros momentos após a inspiração, e não durante a própria.

No que toca aos romances longos, uso uma metodologia de construção que sempre me pareceu confortável, que é a de “montar o esqueleto” da obra que pretendo propor. Entro no processo criativo e vou imaginando os momentos fortes da narrativa, praticamente separando-os como tópicos de cada capítulo, até que eu tenha toda uma linha-base, digamos assim, do livro que surgirá. É claro, e já pude comprovar isso em todos os livros que escrevi, que de forma alguma esse esqueleto se transforma em minúsculos grilhões que me aprisionem à ideia inicial, porque é natural que as histórias evoluam, ganhem vida e implorem por mudanças que são rapidamente inseridas e então o esqueleto é ajustado.

Atualmente, não imagino outra forma de trabalhar os romances longos. Sinto-me tão seguro com essa metodologia que, no primeiro volume da série Horizontes, cheguei a escrever os dois capítulos finais do livro antes mesmo de escrever seu prólogo. Depois segui o esqueleto, claro, com um ajuste aqui e outro ali, fazendo o encaixe necessário quando cheguei aos últimos capítulos.

Saudações literárias!

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Sueli querida e colegas aqui do blog,

Eu não saberia responder a esta sua pergunta, sinceramente. Porque as palavras me chegam de diferentes formas, por diferentes motivações. Umas vezes sou a dona delas. Outras elas se apoderam de mim. Podem nascer de lembranças, da imaginação, da observação, da intuição. Podem ser um parto fácil, difícil, por vezes a fórceps. Mas ser um ser de linguagem é o que me permite fazer uma ponte capaz de me vincular ao outro. É um canal aberto para um ir e vir constante. Umas vezes as palavras recriam em mim um monte de vidas que tomo de empréstimo; então, escrevendo, vou sentindo  emoções que até então eu não teria a menor chance de experimentar.  Outras vezes elas saem  bem de dentro de mim e ao sairem das minhas regiões abissais, me revelam coisas até então inéditas pra mim, me ajudam a organizar meus pensamentos e sentimentos, me encorajam a me deixar revelar aos outros. É assim. As palavras são as mesmas, são de todos, são de quem as sabe amar. Mas ler e escrever  tem sido o ponto e contraponto  necessários para ligar estes dois mundos: o de dentro e o de fora. Não sei como, nem quando, nem porque acontece. Mas quando algo lido ou escrito fazem estas conexões é uma sensação de prazer impossível de descrever em palavras.

Meu presente é o desenho do que tentei dizer. Este cara do vídeo é um artista italiano fantástico. À sua maneira, faz com que, através  do papel, tudo caiba dentro dele e dele saia, algumas vezes de forma surpreendente. Espero gostem. Beijos meus a todos.


O primeiro de tudo é a foto

Considerações sobre o processo criativo

O primeiro de tudo é a foto! Eu a utilizo como matéria prima. É dela que tiro traços, curvas, ângulos e texturas. É também dela que surgem parágrafos, vírgulas, acentos e frases.

Vejo pontos, rachuras e tracejados. Aparecem os personagens, cenas, pretextos; vilões e heróis fazem ponta em cenários nunca antes pisados. As histórias brotam  e nascem os argumentos, despontam os roteiros, eternizo emoções e fatos. A realidade e o imaginário se cruzam, mas evito os adjetivos para abrir caminho aos substantivos, ações e, ao sempre bem vindo, verbo. 


Não posso esquecer o movimento! Talvez seja o momento mais importante. Ele mostra o motivo e explica a razão! É a circunstância que precisa ser eternizada. É mágico e simples.
A inspiração antecede a foto, mas é da imagem que surge a narração.

Em meu processo, visualizo a cena e movido pelo sentimento puro da transmissão, como se tomado por uma entidade, começo a trabalhar. A mesma atenção que uma tecelã dedica ao seu tapete eu apresento em minha trama, cada passagem da agulha se compara com a tinta de minha pena.

Como descrever o meu processo criativo? Pergunta difícil. Acredito que seja algo que surge quando tentamos unir amor e ódio, técnica e estilo, só assim vejo nascerem textos dignos.

O processo criativo me acompanha o dia todo, cada cantar de pássaro ou peripécia infantil é digno de nota em meu eterno companheiro: o bloco de anotações. Nos momentos difíceis apelo, faço surgir o gravador, nele registro minhas memórias mais íntimas. Histórias secretas que perseguem o autor. Temas em busca de final e finais em busca de histórias.

O primeiro de tudo é a foto, mas tudo termina, e(m) ponto.

PS - Somente após as postagens percebi que era para fazer em post único. Desculpem o deslize....
No meu processo criativo tenho outro problema, a ansiedade.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Enxerto Poético

Com toda certeza sou a pessoa mais relapsa com relação a escrita de todos nós. Perco um monte de coisas, não registro. A desorganização em pessoa. O que não pode ser diferente o processo criativo, não tenho nenhuma regra a não ser a de estar sozinha. E qualquer coisa se torna mote. Porém, há períodos de total escuridão e não consigo escrever, aí apelo para qualquer coisa, filmes, livros, poema, músicas, rezas, mandingas e orixás e o que vier é lucro.

Meu presente é Enxerto Poético - Cantáteis, o qual ouvi o Chico César declamando, transcrevo aqui, porém, nada se compara ao próprio. Sintam-se todos presenteados por favor.














Enxerto poético (Cantáteis)

Chico César.

Seu poeta preferido,
Bem antes de ser ferido
Já era ferido.
Antes.
Não visitou as bacantes, as nereidas e as ninfas.
Quis beber de sua linfa.
Esperou…
E não morreu.
Esse poeta sou eu.
De lira desgovernada.
Delírio, musa, amada.
Orfão, bisneto de orfeu.
Eu pra cantar não vacilo.
Digo isso, digo aquilo.
Digo tudo que se disse.
Digo Veneza.
Recife.
Fortaleza que se abre.
Quero que o mundo se acabe.
Se não disser o que sinto;
Digo a verdade.
Minto…
Vertente me arrebata.
Minha voz é serenata.
Labareda e labirinto.
A pena de uma galinha;
Trinta caroços de pinha.
Doce delíro de Vate
Um colírio, um tomate.
Um cartucho de espingarda.
O sangue da onça parda.
É tudo que trago e tenho.
Nada tinha de onde venho.
Leio o que arde sozinho.
Beba comigo do vinho;
Da arte do meu engenho.

Aos que vierem depois de nós - Bertolt Brecht

Em minha adolescência me deparei com um poema que ficou na minha memória. Meu encontro com esse trabalho, de Bertold Brecht, foi através de um informativo, da editora Devir, sobre histórias em quadrinhos.

Ainda tenho esse pedaço de papel em meu baú de manuscritos, engenhocas e feitos e compartilho com os leitores do blog no post abaixo.
Este é meu presente a todos que nos acompanham...


"Realmente, vivemos muito sombrios!
A inocência é loucura. Uma fronte sem rugas
denota insensibilidade. Aquele que ri
ainda não recebeu a terrível notícia
que está para chegar.

Que tempos são estes, em que
é quase um delito
falar de coisas inocentes.
Pois implica silenciar tantos horrores!
Esse que cruza tranqüilamente a rua
não poderá jamais ser encontrado
pelos amigos que precisam de ajuda?

É certo: ganho o meu pão ainda,
Mas acreditai-me: é pura casualidade.
Nada do que faço justifica
que eu possa comer até fartar-me.
Por enquanto as coisas me correm bem
(se a sorte me abandonar estou perdido).
E dizem-me: "Bebe, come! Alegra-te, pois tens o quê!"

Mas como posso comer e beber,
se ao faminto arrebato o que como,
se o copo de água falta ao sedento?
E todavia continuo comendo e bebendo.

Também gostaria de ser um sábio.
Os livros antigos nos falam da sabedoria:
é quedar-se afastado das lutas do mundo
e, sem temores,
deixar correr o breve tempo. Mas
evitar a violência,
retribuir o mal com o bem,
não satisfazer os desejos, antes esquecê-los
é o que chamam sabedoria.
E eu não posso fazê-lo. Realmente,
vivemos tempos sombrios.


Para as cidades vim em tempos de desordem,
quando reinava a fome.
Misturei-me aos homens em tempos turbulentos
e indignei-me com eles.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

Comi o meu pão em meio às batalhas.
Deitei-me para dormir entre os assassinos.
Do amor me ocupei descuidadamente
e não tive paciência com a Natureza.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

No meu tempo as ruas conduziam aos atoleiros.
A palavra traiu-me ante o verdugo.
Era muito pouco o que eu podia. Mas os governantes
Se sentiam, sem mim, mais seguros, — espero.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

As forças eram escassas. E a meta
achava-se muito distante.
Pude divisá-la claramente,
ainda quando parecia, para mim, inatingível.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

Vós, que surgireis da maré
em que perecemos,
lembrai-vos também,
quando falardes das nossas fraquezas,
lembrai-vos dos tempos sombrios
de que pudestes escapar.

Íamos, com efeito,
mudando mais freqüentemente de país
do que de sapatos,
através das lutas de classes,
desesperados,
quando havia só injustiça e nenhuma indignação.

E, contudo, sabemos
que também o ódio contra a baixeza
endurece a voz. Ah, os que quisemos
preparar terreno para a bondade
não pudemos ser bons.
Vós, porém, quando chegar o momento
em que o homem seja bom para o homem,
lembrai-vos de nós
com indulgência."

E assim tem passado o nosso tempo??

domingo, 13 de dezembro de 2009

A (s) Proposta (s)

1ª Processo Criativo
2ª Deixe um presente

DATA DA POSTAGEM- 21/12
                   (as duas propostas no mesmo post)

Qual seu processo criativo? Como se dá a elaboração de seu(s) texto(s) seja (ele) em prosa ou em poesia. Do nascimento de uma idéia, da chamada “inspiração” (com tudo o que a palavra implica) à efetivação da obra propriamente dita, que caminhos percorre? Prefere silêncio? Ou musica ou um olhar pela janela do escritório, do carro, do mêtro. Talvez nada... e o texto chegue inesperadamente feito chuva em noites de tempestade.
Conte-nos.

Um presente... Que pode ser uma imagem, um poema de autor preferido ou seu. Já que o clima é de festa, aqui, comemoramos poeticamente.

Aos “autores e seguidores” do “escritoslinguagemnocorpo” fica o meu presente



O valor das coisas não está no tempo em que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.
Fernando Pessoa.

Novas propostas em 05/01/2010
Forte abraço

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

O Dia que Fizemos Contato

Um homem atravessa uma rua no centro da cidade quando sua atenção é atraída para a entrada de um bueiro. Na escuridão úmida do subterrâneo, um par de olhos o observava.

Fixou a visão, acertou o óculos, curvou o corpo procurando melhor ângulo e sentiu um frio lhe percorrer a espinha. Não era um simples olhar, ele tinha fome e desejo.
Ergueu as mãos em direção à boca, seguindo o impulso doentio de roer unhas, mas desviou o movimento em busca de uma testemunha.

Agarrou o braço de um executivo. O homem engravatado em pleno sol do meio-dia, carregando uma maleta e com celular de encontro à orelha, se assustou com o gesto.

Bastou um simples aceno de cabeça para perceber que sua atenção foi chamada para observar o bueiro. Sem compreender muito bem o que acontecia atendeu ao chamado. O executivo arregalou os olhos, abriu a boca em gesto de espanto e não acreditou no que viu.

Dentro do bueiro haviam olhos. Definitivamente eles estavam sendo observados. A dupla permanecia parada, surpresa diante da constatação, não eram olhos humanos. Essa era a única certeza.

Um policial se aproximou disposto a acabar com a reunião daquela dupla estranha. Para a autoridade eles estavam sob o efeito de algum alucinógeno, afinal, o que levaria duas pessoas a ficarem estáticas na rua observando um bueiro.

Aproximou-se, precavido, colocou a mão sob a arma e se preparou para atitudes extremas. Antes de impor qualquer ordem olhou para o bueiro.

Os braços ficaram flácidos assim que constatou, com temor, a razão do comportamento estranho. Olhos o observavam, e não eram olhares comuns, havia medo e desafio. As pernas tremiam e os movimentos pareciam mais difíceis.

Em poucos minuto o trânsito parou, uma multidão se formou em torno do bueiro. Nenhum veículo podia passar e as equipes de reportagens se posicionavam em busca do melhor ângulo daquele buraco.

O primeiro a observar os estranhos seres que transitavam na superfície desmaiou de temor. Logo outros se aproximaram e se assustaram com aquilo que estava tão próximo e nunca antes foi visto, havia vida na superfície.

Uma multidão se formou e grupos se revezavam para dividir a abertura que garantia o contato entre as duas raças.

Tão próximas e tão distantes, tão iguais e tão diferentes.

Uma multidão se formou. Crianças também queriam experimentar o prazer de observar aqueles seres esquisitos que escondiam o corpo e carregavam estranhos apetrechos.
Alguns, na inocência riam. Outros choravam em pânico, temiam que a superfície despencasse sobre suas cabeças.

Exploradores se posicionavam com marretas e brocas. Seguiam rumo à superfície.
Esse foi o dia em que fizemos contato.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Via de mão única



- Este homem atravessou a rua. Atravessou sem olhar se vinha carro.
- Meu Deus! Mas porque ele não olhou pros dois lados?
- Sei lá, na pressa, ele sempre pegava o ônibus no corredor central.
- Triste isto. Era um bom homem. Trabalhava de jardineiro na maioria dos escritórios por aqui. Era muito conhecido nas redondezas. Pegava o 2301 todo dia. Mas hoje, vai se saber porque, resolveu atravessar pro outro lado....
- Já avisaram a família?
- Estamos tentando....

Era este o burburinho naquela rua tão linda dos jardins. Gente se ajuntando, falando ao mesmo tempo, observando de perto o corpo estirado no chão da alameda arborizada, larga, dividida em duas por um passeio central. Fim de tarde, tarde de primavera.

Somente a moça da janela saberia dar respostas a tantas perguntas. Era uma moça linda, alva, delicada, ares do paraíso. Passava os dias pendurada na janela do andar de cima do sobrado. Infiferente ao tempo, misteriosamente disponível, sempre olhando o movimento. Como uma namoradeira, daquelas que enfeitam as janelas dos antigos casarões de Minas. Com a diferença que se mexia, seduzia, sorria, piscava, lançava olhares de promessas.
O alvo escolhido estava do outro lado da alameda. O jardineiro que deu pra passar os dias sonhando acordado com ela. Já não conseguia mais se concentrar apenas em cuidar de seus jardins. A atenção se dividia entre o trabalho e a mais linda flor; de maior frescor, viço e beleza, que queria cuidar. Foram meses a fio assim. Aquela moça não se ausentava nunca da janela. Dia após dia a mesma rotina. A janela abria-se pela manhã e só se fechava quando o ônibus que o levava sumia no fim da rua.

Tantas vezes já havia sinalizado para que ela descesse e o encontrasse no corredor central... Nada. Assim, foi crescendo a vontade de atravessar a rua por inteiro, de não parar no meio. Suspeitava que ela jamais iria descer para encontrá-lo. Súbito, um pensamento apavorante. Pior ainda que o medo de chegar perto e ver o encanto quebrado. E se um dia ela deixasse de abrir a janela? Não, ele precisava fazer algo por eles.
No dia em que a viu pela primeira vez, havia plantado uma roseira. Observou que o primeiro botão se abriu finalmente. Era branco, lindo. Parecia com sua diva, em cor e frescor. Este era o sinal de que havia chegado a hora, há de ter pensado. Era agora ou nunca.

Fim de mais um dia de trabalho. Com a tesoura de poda cortou a flor recém aberta. Coração aos pulos, atravessou a primeira metade. Ao longe avistou o 2301 vindo, como de costume. Um olhar de quem pedia, pela última vez, que ela descesse e fosse encontrá-lo. Nenhum gesto que esboçasse uma reação. Nenhum movimento.
Antes que o onibus estacionasse e lhe fizesse desistir, saiu em desabalada carreira em direção ao portão do sobrado. Se era pra ser assim, que fosse. Olhou apressadamente para o lado errado e correu. Uma freada brusca, o barulho seco de um corpo caindo no asfalto. A mão aberta. A rosa branca caída, tomando a cor da paixão, tingindo-se de vermelho pelo sangue que escorria.

Em seu medo de perder a perfeita imagem de amor idealizado, se oferecendo a ele, alí tão perto, se dispôs a fazer todo caminho sozinho. Durante meses , sempre com o olhar fixo apenas nela, nunca percebeu que a via era de mão única. Morreu desavisadamente, tentando suprir sozinho, pelos dois, todo trajeto. Como é longa, na maior parte das vezes vã, uma travessia assim, solitária..... só ida, sem vinda...
A janela do sobrado fechou-se , agora de vez. A multidão já dispersou-se, sem encontrar respostas. Também, agora elas já não interessam mais.

Um homem atravessa a Rua...

Um homem atravessa a Rua...
Não a rua, mas, aquela rua. Rua Alemanha. Localizada no Bairro Jardim Europa, na cidade de Sorocaba.
Algumas lombadas, alguns buracos, algumas casas, velhas e novas casas. As velhas são dos moradores que fundaram o bairro, assim como meu pai, as novas, são de moradores que apostaram nesse bairro de classe média.
São poucas as casas dessa rua. Também existe aqui uma igreja “Salão do Reino das Testemunhas de Jeová”.
Sempre existiu uma inquietação em mim. Testemunhas de Jeová?
Títulos, Signos? De acordo com a fé, hão de ser sim testemunhas, servos, ou o que quer que seja.
Em dia de reunião, sempre há um grande movimento nessa rua. Só assim, só “as testemunhas” para fazer essa rua “bombar”.
“Bombar” no bom sentido, bairro de classe média é realmente um tédio para morar. Alguns amiguinhos da escola moravam na periferia e diziam que lá sim, é que existia vida...
Pode ser. Mas, o homem, o homem atravessa a rua. Não! ele, não foi em direção ao salão das testemunhas.
Homem, descrente será? Ateu, será? Observo cada passo desse homem. Passos lentos, serenos. O rosto é belo, que homem belo. Bem vestido, cheiroso. Deve ter uns 22 ou 23 anos.
Ele não notou minha presença. Estava sentada na calçada em frente a minha casa. Observando esse homem. Não! definitivamente ele não me notaria, eu de apenas 14 anos. Uma criança. Uma criança.
Que bom seria se adulta fosse? E tivesse sorte. E chegasse a ele. Que bom seria, se por um instante, ele me notasse e me demonstrasse que ele me queria.
-Vem almoçar! (É minha mãe chamando). - Vem Almoçar Judite! - Já vou mãe.
- Já vou!
Judite... Ele deve ter escutado o meu nome. Lá na escola tiram sarro, dizem que o meu nome é nome de velha. Se ele pensasse assim, talvez, olhasse, olhasse para mim. Por um minuto, apenas por um minuto, amei meu nome. Atravessou a rua e do outro lado da calçada, ali, em minha frente fala ao celular. Parece que procura o vizinho, aperta a campainha e ninguém atende.
Ele podia perguntar-me sobre o vizinho. Eu sei que o seu Dito trabalha o dia todo e só volta quando já está de noite. O seu Dito mora sozinho perdeu a mulher há pouco tempo. Ouvi minha mãe dizendo para o pai:
- Coitado do seu Dito, que sofrimento, 40 anos de casado, sem filhos, agora sem mulher. Temos que dar um apoio. Desde então quando ele chega do trabalho e eu estou na minha calçada. Vou logo puxando papo.
-Tudo bem seu Dito? Hoje o dia do Sr. foi legal? Separei uns tomatinhos cerejas que o Sr. tanto gosta. Seu Dito, qualquer hora dessas vem jantar em casa?
Seu Dito é calado, ele somente solta um sorrisinho meigo. Eu acho que ele gosta de mim.
Tive coragem. - Moço está à procura do seu Dito?
- Sim.
- Ele só volta a noite.
- Aluguei a edícula dele. Trouxe todas as minhas coisas. Pensei que já pudesse acomodar-me.
- Acomode-se em casa, enquanto ele não chega. Almoce conosco. Já que seremos vizinhos.
Batia forte o meu peito. Minhas amigas diziam dessa tal coisa e somente ali eu entendi o que era. O que era amar. Amor a primeira vista. Sim, foi o que senti.
-Obrigado, mas, não posso aceitar. Mas, muito obrigado mesmo Judite, você é uma menina muito gentil.
Fiquei quieta. Muda.
Ele atravessa a rua. Vem em minha direção. Suei frio. Ele pára em minha frente e pede para eu avisar o seu Dito que a noite ele volta.
Foi para o carro.
Estou aqui na calçada. O seu Dito há três anos faleceu. Falaram que ele morreu de tristeza.
Coitado do seu Dito. Há oito anos eu espero todas, todas as noites que aquele belo moço, lindo moço, volte à casa do seu Dito. Coitada de mim!
Ele nunca mais voltou. Mas, a cena está tão viva em minha mente é a gostosa nostalgia de enxergá-lo em minha lembrança todo o tempo. Aquele lindo homem que atravessa a rua.
Seu nome? Não sei! Onde estás? Não sei. Quem é? Não sei.
Não me importo, entendi que como o nome da igreja, tudo é título.
Mas esse amor está aqui latente no meu peito. Atravesso a Rua.
Comprei a casa de seu Dito e a qualquer momento, penso que a campainha vai tocar e esse homem vai lembrar.
- Judite!

Fim do mundo



Um homem atravessava a rua. Movido pelo impulso primitivo de chegar. Foi tomado de pânico quando o encarregado de sua sessão se dirigiu a ele aflito "Na sua casa Homem..." deixou tudo, cego...

Já na rua nem mesmo o som dos pneus gritando no asfalto o tiraram de seu devaneio torpe, instintivamente um andar bêbado, trôpego.

O centro da cidade, as ruas em mão dupla e os carros que não davam trégua não indimidavam. Pobre cavaleiro e seus moinhos de vento.

A ausencia de um abrisa empapavam sua camisa em suor, apertava os olhos ao reflexo do sol impiedoso sob as paredes brancas das casas. Buzinas, pneus e caos, um turbilhão de burburinhos rondando sua mente. O sol castigava-o menos que as correntes que apertavam seu peito.

Andava a esmo e a avenida parecia não ter fim, longa, muito longa. Pessoas serpenteavam a sua frente impedindo assim o seu avanço. Atravessou a avenida sem olhar. As árvores nas calçadas não projetavam sombras e o caminha ficava cada vez mais longo e difícil, árido.

Já conseguia divisar lá em cima a esquina que seria a última para que no meio da rua estivesse a casinha com as paredes amarelas um pequeno jardim que morava desde que se casara com ela.

O sol começava a dar uma trégua mas grandes nunvens castanhas tomavam espaço no céu, na rua em frente a sua casa estava tomada de pessoas, curiosos, carro da polícia, ambulância, disputou espaço com aquelas pessoas a tapa. Abriu espaço e correu para a porta, não conseguia ver nada anormal na pequena sala caiada, parcamente mobiliada. Os policiais tentaram o demover acreditando ser mais um curioso, porém, seriam necessário um batalhão para que ele não entrasse no quarto do casal.

Ali na cama, abatida, ofegante, banhada em suor e sangue, estava ela, com um sorriso satisfeito no rosto e o seio alimentando o pequeno menino que acabara de chegar.